RECALQUE, AMOR E AUTENTICIDADE
Oizinho! Tô começando com esse tom de voz amável
porque a gente vai ter que esperar mais uma semaninha
pra voltar para o especial do Karl Marx.
Bom, como você já deve ter visto, em algum local desta tela,
o tema do vídeo de hoje é "Recalque, amor e autenticidade".
E pode parecer meio doido, né, mas, hoje em dia,
meus amores, o que não parece, né? Aliás, doido é
apenas um discurso de poder, que começa no século
16, que vai tentar legitimar alguns jeitos de estar
no mundo e deslegitimar outros, né?
É uma das manobras biopsíquicas de poder, né? O
Foucault vai falar muito bem sobre isso em "Vigiar e
punir", em "História da loucura", né, que é apenas um jeito
discursivo de achar o "normal", né? Que coincide com
o que interessa ao poder. Moçadinha, hoje, a gente não
volta ao Especial do Seu Carlinho, né? Já passou
o mês do aniversário dele, já entramos no mês da
diversidade. Aliás, esse vídeo vai tá aqui mais por causa
disso. E, recentemente, eu produzi lá pra
GNT, pro Saia Justa, a minha coluna, que acontece
de tempo em tempo, falando um pouco sobre parentalidade, né,
de pessoas LGBTQIA+ por pessoas hetero cisgênero.
E, nesse vídeo, eu falo um pouco sobre coisas que
eu gostaria de aprofundar aqui. Como lá a coluna tem
apenas três minutinhos, às vezes, eu venho
aqui pra aprofundar, desdobrar, né, o tema e a gente
poder fazer essa reflexão por outra perspectiva, né,
em outro recorte também de tempo, Vamos do início.
Primeira coisa, estamos no mês da diversidade.
Não caiam, meus amores, minhas amoras, nesse discurseco
liberaleco de "Ai, tudo que precisamos
é amor. Amor é amor. Ai, o nosso amor...". Não é bem assim,
né, meus anjo, minhas anja. Vamos entender que
LGBTQIA+ nunca foi sobre amor, é sobre o
desafio aos discursos de poder. Um desafio ao status
quo do que que é binaridade, do que que é aceitável,
né? Do que que as civilizações que colonizaram
o resto do planeta estabeleceram como interessante
e outra coisinha mais que é o poder do discurso
religioso em regular corpos e práticas. Se a gente
for fazer essa discussão, muito brevemente,
tá, porque eu vou tentar focar em outras coisas o vídeo de hoje.
Se a gente for fazer essa discussão histórica,
né, de qual seria a origem da homossexualidade. Não!
Essa pergunta já é preconceituosa, né? Porque ninguém pergunta
qual a origem da HETEROssexualidade.
"Tu é hetero? Oxi, o que é isso? Tá amarra..."
Então, olha, a gente não veio fazer essa pergunta. Na filosofia,
o fundamental é a pergunta que a gente faz. Às vezes,
uma pergunta errada leva pra uma resposta
absurda. Então, a pergunta que a gente veio se fazer aqui
é qual é a origem da homofobia. E aí, de novo,
na descrição do vídeo vai estar repleto de material,
filme, documentário, livro, disco... disco não vai ter, né,
que não existe mais. Mas, enfim, uma série
de materiais pra vocês se apoiarem, estenderem as
reflexões, fazerem pesquisa, etc.
"Dona Ritinha, a senhora vai por a culpa no capitalismo?"
Um pouco, mas não muito, né? Essa distinção, né, de
sexualidade válida e sexualidade inválida,
ela tem a ver com uma apropriação que o capital vai
fazer, via patriarcado, de leis e regras que já
haviam sido estabelecidas por sistemas religiosos
nesse pedacinho do mundo que a gente estuda na antiguidade.
Lembrando que, mesmo aqui na antiguidade, quando a gente
pensa em coisas tipo a Índia, né, os povos
hindus, a gente vai ver que, mesmo lá, já havia algum tipo de
confronto de uma ideia binária de sexo-gênero. A homofobia,
ela tem muito a ver com um regime político de dominação de corpos. Vamos
pensar o seguinte: a gente estruturou
sociedades do mata-mata, né, a gente estruturou sociedades onde
quem tem o maior exercitozinho conquista
o território, mata todo mundo, piriri, parará, pururu.
Quem tem a maior força de trabalho, né, o maior número de
trabalhadores, proletariado (chama proletariado porque
tudo que você tem é sua prole)... Então, quem tem
a maior galera, faz mais trabalho, constrói mais
coisinha, tem mais exército. Então, relações que
não produzem bebê são mal vistas, né? Se a gente
for fuçar na Bíblia piriri parará pururu...
Isso no nosso livrinho sagrado. Pega qualquer outro livrinho
sagrado de qualquer outro povo que a gente vai achar
algo por aí. Então, existe muito cedo, ali
na gênese da coisa, uma ideia de que isso aqui é uma
boa família porque gera pessoas e com pessoas a gente monta
exército, com pessoas a gente tem força de trab...
E isso aqui não é uma boa família porque não gera
pessoas, né? E, logo, relações serão prescritas.
O Foucault vai falar muuuuito sobre isso em "História da
sexualidade", no volume 1, né, "O desejo do saber",
O Foucault vai falar sobre a hipótese repressiva,
vai contar um pouco, pra gente, como as estratégias
da Inquisição, as estratégias do século 16.
Partir da primeira Pastoral, da ideia de confessar,
você ir no padre ficar falando que que você faz
no seu quarto, que você faz na sua família. A ideia, né,
da Patrística, século, ali, 4 depois de Cristo,
(que é uma escola de pensamento Cristã). A ideia da
Patrítica, do que que é um relacionamento aceitável,
né, do que que é uma união de corpos aceitável.
Tudo isso passa muito por um regime de dominação que
prescreve "corpos devem ser": 1- Força de trabalho;
2- Força de... Fábrica de trabalhadores (ia falar
força de reprodução social, mas vai ficar muito
marxista, então fábrica de trabalhadores). Então, seu
útero serve pra gerar exército e trabalhador e seu sêmem
existe para gerar o útero e trabalhador e basicamente
é isso que "Quer, quer. Não quer, a gente queima você
numa fogueira. Quer, quer. Não quer, a gente enforca.
Quer, quer. Não quer, você vai ser pecado, piada, crime" bilili, balalá,
bululu. Então, vamos lá. Você já entendeu, né,
a gente tá falando sobre corpos que se opuseram
a um sistema de poder que criava uma ficção social,
que fazia com que as sociedades pactuassem uma
ideia de binariedade? Que existe um sistema
sexo-gênero, né? Se você ainda não entendeu,
leia Gayle Rubin, "Políticas do sexo", são dois artigos curtinhos, eu
sempre falo desse livro aqui, que ela fala sobre
o sistema sexo-gênero em mais detalhes. Isso aqui é um vídeo
de 20 minutos, né, não é uma faculdade.
Mas tira as coisa boa da faculdade e dá de graça,
né? Por isso que eu faço. Então, moçadinha, vamos junta,
ó. Já entendemos que tudo que a gente
precisa é amor? Não. Nosso caso não tem nada a ver
com amor. Nosso caso tem a ver com um embate que vem de um caldo
cultural do colonialismo, de como as populações
ameríndias foram massacradas, dizimadas.
Como elas tiveram as suas culturas deslegitimadas, né?
Quando os europeu bunda mole branca chega aqui,
a galera que tá aqui, meus amor, já caminhou,
né? "Você não sabe o quanto eu caminhei" (Rita canta)
Todo mundo que tava aqui já tinha seu sistema
de códigos e valores e condutas, significados.
Galera que tava aqui já tinha desenvolvido
religiosidade, língua, música. Galera que tava aqui não tinha um sistema
de sexo binário, né, um sistema de gênero binário.
Galera que tava aqui, né, imagina se tivesse deixado
a gente em paz? Então, tudo que a gente precisa é amor? Amor
uma ova, uma patavina, uma patota, uma estaleca (só pra Isa
usar de novo a montagem que já tem pronta). A nossa
ideia é que nossas existências desafiam um
sistema de poder. A gente tá aqui fazendo disputa de narrativa.
A gente tá aqui tentando informar as pessoas
pra que elas se indaguem qual é a origem da HOMOfobia,
né? E, como eu salientei lá no início, a origem é o medo de
criar uma sociedade que não produz extra de
força de trabalho, extra que vire exército, né,
exército de reserva, piriri. Meus amores, a partir daqui, então,
a gente ir entendendo que tudo que a gente
precisa é slogan barato de liberal pra vender
coisa em junho com a bandeirinha do arco-íris e que
o que a gente tá fazendo é luta política, né? Luta
política que vai contra uma ideia de sistema.
Uma luta política que fala "a família tradicional
né, teus cacho de uva". Família tradicional nunca foi essa. E se quiser, também,
leia "A origem da Família, Propriedade Privada
e Estado" do seu Engels, né? Esse, com o pósfacio da
Marília Moschkovich, pela Boitempo, que é tudo!
Isso aqui vou dar como batido. Se você ficou com dúvida, a gente faz
um vídeo só sobre isso e deixa outros comentários.
"Rita, não entendi porque que ser LGBT desafia o sistema." É porque a gente não se conhece
né? Não sei quem é você. Você não sabe... então não sei se ficou
claro. Agora, o ponto que me interessa, essa segunda
ideia que a gente veio debater aqui é a nossa
luta, ela se constitui em muitas frentes, né?
A ideia de legitimar corpos, sexualidade, exposições no
mundo que foram deslegitimadas, enfrenta
uma série de discursos de poder. Mas é importante
ressaltar que, a medida que a nossa luta vem sendo
feita e que o óbvio vai ficando óbvio, a gente tá vencendo essa
luta. "Dona Rita, como assim, a gente tá vencendo essa luta?". Ó,
mulher trans, australiana, importantíssima,
né, trans feminista, escreveu muito sobre as
teorias do conhecimento do norte e do sul global.
Escreveu muito sobre masculinidades. Esse é um
livro introdutório pra você que tá começando
a estudar gênero. Então, olha como ela começa:
"O Papa Bento XVI, recentemente..." (isso aqui é 2013) O Bento
XVI era aquele Para que parecia o vilão do Star Wars. "O Papa Bento XVI,
recentemente, declarou que gênero simplesmente não
existe. - 'O que existe é a lei divina
e o excelente modelo da Sagrada Família", né? Resta saber
onde que isso existe. Esse Papa, de certo, nunca conheceu,
nunca estudou antropologia. Nunca conheceu uma
população indígena. Mas, enfim, né? Nessa
ficção social, cristã, católica, a ideia, de 2013,
gênero não existe. E, agora, a gente tem o Papa Francisco
que fala "você tem que ser amigo da travesti", "a
travesti é tão cristã quanto você", "Cristo não falou nada
sobre travesti, nada sobre homossexual,
nada sobre sexualidade". E, em compensação, o que
ele falou sobre ser crime manter uma população na pobreza,
que Deus detesta gente rica, né? Que Deus detesta
quem acumula e deixa o pobre morrer de fome,
né? Em compensação o que ele falou de amai o teu
próximo, mas, enfim, né? A gente vive nessa era
né, sei lá que nome que a gente vai dar pra essa
era, daqui a uns séculos, na qual o óbvio não faz mais
sentido algum, né? A gente luta pra
falar pras pessoas o beabá. E aí a gente tem que falar "Oi,
tudo bem, cristão? Você já ouviu falar da coisa mesmo do Cristo, assim?". Porque
o que a gente mais tem hoje é cristão seguindo
as leis dos antigos mandamentos do Antigo Testamento dos
Levíticos, né, uma tribo de Israel! Então, os Levitas,
que tinham um código bizarro, que não podia plantar
dois grão no mesmo terreno, não podia usar dois tecido diferente,
não podia usar a pele do porco pra fazer nada.
Esse povo, que eram Levitas, descendentes de
Levi, acreditavam que eles tinham uma conexão
maior com Deus, por isso eles eram um povo sacerdotal.
Por isso eles tinham uma lei estrita do que pode, não pode.
E aí isso vai pra Bíblia, né? Vale contar, pra
vocês, que os livros que compõem a Bíblia, né,
eram muito mais do que 13. E aí, de tempos em tempos,
vai tendo concílios e, nesses concílios, decide-se
quais livros entram, quais livros saem. Vocês acham que a
Maria, mãe de Cristo (se é que ela existiu), você acha que ela não escreveu
nada? Não tem o Evangelho da Maria. Que a Maria
Madalena, que financiava Jesus Cristinho mesmo, né,
possibilitava que ele fizesse o trabalho
social dele. Você acha que ela nunca escreveu
nada? Essas mulheres eruditas que possuíam
vivência, elas não... né? Elas eram só o vasinho do Senhor.
Isso não é uma ideologia. Mas, enfim, a Bíblia
tá composta dessa forma. E aí, tem gente, ainda, 2020,
cristão, que não segue Cristo, que vive de
acordo com o Antigo Testamento. Então, por isso
que eu tô pontuando isso aqui. Essa é uma das frentes,
né, a gente pensar que hoje tem um Papa, né? Não sei nem porque
ainda tem Papa em 2020. Mas enfim, hoje tem
um Papa que reconhece a identidade de gênero,
a possibilidade... A ideia de que a Organização
Mundial da Saúde (que é também um bando de bunda
mole) já reconheceu, desde 1990, que não existe a
"doença homossexualismo" (que antes era doença, né?)
Desde 2019, retirou pessoas trans da categoria
de disforia, de transtorno psíquico. Então, a gente vai
fazendo a nossa luta e, passo a passo, né (a gente
tem que pensar que ela é uma luta de muito
acúmulo, a gente tá fazendo ela desde o século 19,
por exemplo), a gente vem fazendo essas conquistas,
né? Esse é o mês que a gente celebra, que a gente
pontua, que a gente relembra. Pega os mais novinhos
(não sei que idade vocês têm) e conta a história pra
eles, indica livro, né? Vai passando a tocha
adiante. E, aí, vários países do mundo, a gente
já conseguiu aprovação de estatuto de igualdade
pra união civil, né? Civil! Você é um cidadão, você se une,
né? Não existe casamento. Existe união civil.
Então, união civil entre pessoas do mesmo
sexo, de sexo diferente, pessoas transexuais, pessoas cisgênero, piriri
parara pururu. A gente já conseguiu criminalização
da homofobia, tananan, mas, meus amores, em algum
ponto tudo isso é letra morta numa Constituição,
né? Constituição Brasileira serve pra muito pouco ou
quase nada, né? A gente mora no Brasil e sabe
pra que que essa Constituição serve. Tá na Constituição
que todo mundo tem direito a trabalho. "Ah, que lindo! Me conta!". Tá na Constituição que ninguém
pode ficar sem teto, passar fome. "Ai, que lindo! Me conta!". E, aí, tô fazendo
essa pontuação, também, porque eu tenho muitos
amigos, assim, que eles são entusiastas, né, da lei, do Direito. Eles falam
"ai, um grande avanço" e, aí, eu falo "ô,
meus anjo, né? Avanço pelo direito? Isso existe?"
Mas, enfim, tem avanço sendo feito. Tô deixando, aqui,
3 indicações de 3 livros que estudam esses
avanços lá na terra do Tio Sam, lá nos Estados
Unidos. Então, o primeiro é "Queer (In)Justice", que
conta da história da criminalização de pessoas
LGBT, lá nos Estados Unidos. Como foram essas
leis que antes era crime e depois passou a ser aceito.
"Dishonorable passions" que vai contar a mesma coisa, a ideia
dos crimes contra a natureza, né? Lembra que
eu sempre pontuo, aqui, que detesto o papo de natureza
humana? Um pouco é por causa disso. Esse Papa alucinado que fala
"não, não existe gênero, existe a lei da natureza". Mas, gente,
tem girafa que faz sexo homossexual.
Mas tem golfinho, tem baleia, tem todo to todo...
toda a família de simios... Eu tô cansada, sabe? Cansada de lutar
contra bravata e discurso ideológico, mas,
enfim. Então "The Devians War" que também vai contar
essa história das lutas das pessoas "desviantes"
pra um entendimento de que elas também são pessoas,
de que as vidas delas importam, né? De que, se o sistema
é um sistema humano, de que se a gente pensa a sociedade...
não pode fazer distinção, né? Que a gente deveria
pensar em igualdade jurídica, né? Liberalismo,
fofo. Por fim o "From the closet to the Courtroom" que conta a história de
cinco casos, né, de processos contra ou de pessoas
LGBTQIA+, que mudaram, abriram precedente
pro debate jurídico, nos Estados Unidos. Tô indicando
esses porque eles servem pra gente pensar
as coisas no Brasil, também, em paralelo. E, aí, eu tô
dando essa volta, pontuando essas coisas,
indicando literatura, né, porque isso aqui é um canal
aberto, a gente nunca sabe o que do passado você já
assistiu ou em qual pé do debate você tá. Mas, também, pra
encaminhar pras outras duas partes do vídeo que eu
quero. Porque quando eu chamo vídeo de
"Recalque, amor e autenticidade", eu tô falando sobre
um processo que nos é vetado. No vídeo "Imagens de
controle, BBB e as queer", eu tangenciei essa ideia
e vou desenvolvê-la um pouquinho mais. Ainda que
o sonho liberal seja fazer uma bonita campanha na
internet falando "ah, empreenda, seja uma LGBT de
sucesso", "só depende de você", "ai, o talento não tem
nada a ver com a sexualidade". Ô, meus anjo, né?
Isso é um sonho liberal. Isso é uma ideia de que tudo
depende do indivíduo e é mentira! A gente provém de
grupos, a estrutura social funciona de acordo
com grupos, etc. e não depende do indivíduo, né?
Vamos pensar o seguinte: a gente passa por primeiras
infâncias que estão marcadas por pobreza, exclusão,
impossibilidade, má nutrição. E, aí, você vai escolhendo
o que que essa primeira infância vai ser
marcada. Então, primeiras infâncias muito
distintas. No entanto, existe, aqui, no nosso treinamento
de pacto social, né, do sistema sexo-gênero, uma coisa
que é o "estigma". Toda criança LGBTQIA+,
toda criança queer, ela passa por um ambiente
(família, escola, sociedade) que cria nela um processo de
recalcamento. O Freud tem esse texto, de 1917, sobre
o recalque, né? E o Freud vai nos dizer que é esse
processo através do qual a estrutura psíquica
nega alguma coisa e submete essa negação, né,
pós primeira infância, à estruturas menos conscientes,
mais do campo do inconsciente. E, ao longo da nossa vida,
tudo isso que a gente recalcou, né, os nossos
desejos, vontades, afetos, posições que foram sendo
recalcados, eles vão voltar, né? Por isso que a gente
faz Análise mesmo, porque a coisa
num... você nega ela, mas você não a nega de fato, né?
O processo é dialético. Através da negação ela
volta. E aí o Freud vai chamar isso do "retorno do
recalcado", "o retorno do reprimido". Volta através de
ato falho, de sonho, de chiste, de lapso na hora da Análise.
E a gente carrega isso para sempre até resolver.
Também vale contar pra vocês (e isso é uma coisa
que o Christian Dunker pontuou numa coluna
que ele tem no YouTube, do "Glossário Freudiano",
e eu falo sobre isso na minha coluna, lá no vídeo da GNT)
que TODO sintoma neurótico, de acordo com o Freud, emerge
desse processo de recalcamento, desse processo de
negação. Então, muito das nossas vidas, que a gente
vai lidar o longo da vida, vem dessas
marcas, dessas cicatrizes deixadas, que o processo
social deixa no indivíduo, de impossibilidade de
sermos autênticos, de impossibilidade de existirmos
num mundo como existimos. E aí, lá na coluna da GNT, eu falo
uma coisa que é, muitas pessoas que são pais e
mães de pessoas LGBT, acreditam estarem as
protegendo quando dizem "ai, eu não vou deixar
meu filho pintar essa unha, minha filha ter esse cabelo,
a minha criança ir com essa roupa, brincar com
aquele brinquedo". Ainda que eu seja um pai legalzão, uma
mãe legalzona, uma pessoa que cuida, né, que pode não
ser nem pai, nem mãe, legalzuxa, eu vou proteger. E a ideia, aqui,
é que não tá havendo proteção nenhuma, né? Eu
volto, lá no vídeo que eu falo que a gente tem, como
pessoa queer, a gente tem que abrir mão de quem a gente é.
Criar uma carapaça, um avatar, criar qualquer
coisa pra sobreviver à escola, à família, à sociedade,
né? E esse processo de criação dessa carapaça,
depois vai deixar um monte de cicatriz em nós que a gente
vai passar a vida inteira tentando
entender o que que é nosso, o que que é a coisa que eu
criei para me defender, tururu tururu. Aqui, o
importante, voltando no que eu tinha falado, é que não é individual,
meus amores. Quando a gente pensa em talento,
habilidade de liderança, falar em público, ser bom
em esportes... quantas dessas coisas foram
negadas aos corpos desviantes? Quantas coisas dessas
não são possibilidades a corpos subalternizados
que não adquirem as mesmas ferramentas pra lidar com o mundo
da forma que, no futuro, o mercado, a sociedade
o patrão, vai valorizar. Então, quando a gente pensa
"ai, talento não tem nada a ver com sexo, gênero,
orientação sexual". Não é bem por aí! Quantas pessoas LGBTQIA+
se entendem como tímidas, se entendem
como, ah, socialmente mais desajustadas, antissoci... e, na verdade,
é só o reflexo de um período da vida de
só tiro, porrada, bomba, dedo no c* e gritaria. E, pra lidar
com esse mundo e se inserir nessa ordem simbólica, essa criança
abre mão das coisas que ela poderia ter
sido né? É como se todos e todas e todes nascêssemos
autênticos e, ao longo da vida, a gente se encaixasse num
exército de clones, né? Sei lá, com três opções possíveis,
quatro. E aí a gente nasce com infinitas possibilidades
e termina a vida todo mundo igual. Portanto, né,
a ideia que eu quero deixar aqui é que discutir as origens
da LGBTfobia, entender a operação do sistema,
entender o que que é uma tentativa de responsabilizar
indivíduo e ter em mente processo histórico e social.
E entender até o papel dos cuidadores, né, ou
dos aparelhos repressivos do Estado no desenvolvimento de tudo isso
é tentar lançar um olhar mais holista, tentar lançar um
olhar que englobe a totalidade e possa fazer uma
análise concreta da situação concreta. Esse
mês marca as nossas lutas, resistências, avanços,
conquistas. E a frase que eu preciso deixar pra
vocês é uma antiga que a gente já tá cansado de dizer, né?
Que foram eles quem criaram a LGBTfobia.
O nosso papel histórico é criar o orgulho. É um
pouco por isso também que não tenho paciência pra quem
tá no armário, sabe? Claro, né, caso a
caso. Tem gente que, se sair do armário, morre.
A gente mora no planeta Terra. Mais de 70 países criminalizam
uniões homoafetivas consensuais entre dois
adultos, duas adultas. Desses 70, ainda tem os países
que condenam com pena de morte, né? Mas, aqui, nos
nossos cenários em que dá para fazer luta, eu tenho
um pouco de ódio dessa galera "discreta", sabe?
Eu prefiro trocar a palavra discreta por
covarde, né? Porque a gente tem um papel histórico
de transformar LGBTfobia em orgulho.Tá, meus amores?
Então, eu conto com vocês. Semana que vem a gente já volta com o
Especial Carlinho. Um beijinho. Tcha-aau!