Brasil Século XXI - Cultura, Produção, Representação simbólica da Sociedade - De Antonio Candido
Pessoa quando chega na minha idade olha pra universidade
lembra que praticamente a vida passou toda nisso.
Me lembro desde 1941/42 quando nós fizemos na faculdade de direito
uma greve memorável para impedir que fosse conferido ao ditador Getúlio Vargas o título
Doutor Honoris Causa.
Não foi concedido.
Me lembro do tiroteio de 1943, que morreu o colega nosso, vários foram feridos.
Lembro das outras em 45, por aí à fora, de modo que praticamente é assim a vida da universidade.
Professores de um lado, estudantes de outro, sempre lutaram.
Agora a diferença é que estudantes, professores, funcionários lutam juntos,
isso é um grande progresso,
e é uma coisa que certamente trará frutos para a reavaliação da universidade
e para o futuro da universidade.
Isto posto, eu vou entrar na matéria que não corresponde muito ao título aparecido.
Eu conversando pelo telefone com o nosso querido Professor Carlos Vogt,
precisava de um título e eu dei um título
menos comprometedor possível que é Panorama da Literatura Brasileira no século XX,
que é exatamente nada como os senhores sabem.
Porque...
Dentro disso, eu vou ficar inteiramente à vontade para falar de outras coisas,
inclusive alguma coisa sobre literatura brasileira do século XX.
Num momento como este num simpósio, numa iniciativa da importância
desta do século XXI, esse grande esforço de esclarecimento
que é a iniciativa da Unicamp neste momento.
Naturalmente, em face da literatura, a questão que se levanta antes de mais nada é da própria
validade da pertinência da literatura na porta do século XXI.
Todos nós aqui presentes mexemos com isso temos consciência de que a literatura
é uma coisa perene, mas embora sabendo que ela é perene,
nós temos muitas dúvidas e nesses momentos eu creio que nós
pensamos muito em panoramas, em recapitulações, em retrospectos
e numa meditação em profundidade sobre o problema da vida e da morte,
porque no decorrer da minha vida, já longa,
eu vi anunciada várias vezes a morte da literatura.
Inclusive aqui no Brasil houve um momento em que se falou:
a poesia morreu.
Foi provocada, esta questão foi levantada por um poeta eminente,
que foi Augusto Frederico Schmidt.
Que colocou que poesia tinha morrido.
Em grande parte porque os modernistas há tinham
matado e depois disso já vi o romance também morrer,
já vi pessimistas tremendos na França no Brasil
dizendo que a literatura morreu.
Mas, apesar de tudo, ela tem boa saúde
ela provavelmente entrará firme no século XXI.
Agora, será que ela entrará pelo século 21 a dentro como nós
estamos acostumados a vê-la?
Naturalmente, quando nós falamos em literatura nós estamos pensando automaticamente
nessa relação misteriosa que há entre o senso da realidade e a necessidade de fantasia.
São duas dimensões as quais o homem não escapa,
são duas dimensões
em função das quais ele vive
e a literatura é justamente a força dela vem da sua extraordinária capacidade de oscilar
o tempo todo
entre a realidade e a fantasia.
No mundo como o nosso
o problema seria, para os mais sensatos,
de imaginar que não é um tempo mais de fantasia mas é um tempo sobretudo de interesse pela realidade,
mas o que nós verificamos no nosso tempo é ao contrário um incremento quase desenfreado da fantasia.
Um incremento quase frenético do interesse pela fantasia e que garante de certa
maneira a possibilidade do artista ser livre e a possibilidade dele continuar arbitrariamente
a desenvolver a sua fantasia.
Talvez nós estejamos no crepúsculo das maneiras que nós conhecemos de
fazer literatura mas certamente não estamos no crepúsculo desse uso necessário e legítimo
da fantasia tão premente no nosso tempo que nós assistimos a esse fenômeno quase inexplicável
da mania dos tóxicos, dos entorpecentes, essa necessidade frenética de buscar a todo o preço
mesmo à custa da auto-destruição o domínio da fantasia.
É de fato uma necessidade tão poderosa que quanto a isso,
apesar de preverem que os livros serão feitos pelos computadores daqui
a algum tempo, apesar de tudo isso,
a impressão que a gente tem é que a fantasia está mais do que nunca presente
e que a fantasia assegura a permanência da literatura.
É claro o que é possível
que aquilo que nós chamamos de literatura passe por um por uma transformação profunda.
A minha mulher tem costume de dizer, diz há muitos anos
e eu digo com certo fim de cinismo retrospectivo
achava que ela estava errada, hoje, acho que ela está certa.
Ela dizia que por exemplo nós estavamos assistindo no Brasil ao nascimento de um gênero novo que é brasileiro,
é o primeiro gênero que o Brasil está realmente criando, que é a telenovela.
E esta telenovela está ainda na fase elementar, está na fase de ser desconsiderado intelectualmente,
mas daqui cem anos, ela pode ser realmente um gênero equivalente as mais altas manifestações da literatura
e nós poderemos ver Brests, Pirandellos e Machados de Assis e Prusts,
Mayakovsky e Joyces, dentro da telenovela
e outras coisas parecidas, sem contar que o próprio cinema já é literatura a sua maneira.
Nós já sabemos que esse é uma grande arte de maneira que vamos afastar essa questão
preliminar e que não deve nos ocupar aqui mas apenas indagar sobre as características
do exercício da fantasia no nosso tempo.
Vamos ser um pouco saudosista, vamos ser um pouco passadistas.
Quando nasceu a modernidade?
Quando nasceram as características das tendências que nós vivemos hoje em dia?
Eu sou dos que acham que ela nasceu com o romantismo.
Eu sou dos que acham que nós estamos vivendo ainda dentro do romantismo,
isso eu escrevi várias vezes, já falei várias vezes,
e os meus antigos alunos sabem que é uma das minhas manias.
Nós estamos ainda dentro do romantismo, começou no fim do século 18 e parece que está começando a acabar agora,
os compêndios de literatura no futuro dirão certamente coisas como esta
se houver ainda classificações,
"Romantismo período que se inicia com a revolução industrial e acaba no começo do século XXI
com a revolução da automação".
Então, nós estamos ainda do romantismo, nós não saímos dele
e foi o romantismo que plantou tudo isso que nós estamos vivendo agora,
o que se questiona por tanto,
não é o fim da literatura, nem o fim do exercício da fantasia,
o que se pode questionar é o fim do romantismo.
É possível que de fato nós estejamos assistindo ao fim do romantismo.
Os senhores sabem que uma afirmação dessas é uma afirmação sem nenhuma leviandade
porque é uma afirmação historicamente fundamentavel, isto é,
o romantismo é aquele movimento literário que surgiu, mais ou menos,
nós incluímos o pré-romantismo surgiu mais ou menos contemporâneo da revolução industrial
e das grandes revoluções democráticas do mundo moderno
que são a revolução americana e a revolução francesa.
Aí começou este mundo que nós estamos vivendo agora, um mundo caracterizado por uma série de coisas,
inclusive pelos grandes utopias sociais.
É possível que um dos sinais do fim desta era seja o afrouxamento das grandes utopias que nós
infelizmente estamos assistindo.
O afrouxamento das grandes utopias sociais que vieram do século
18 que alimentaram o romantismo em grande parte, porque se há um romantismo conservador
há romantismo revolucionário, é preciso não esquecer
que o socialismo é em grande parte um fenômeno romântico,
o socialismo nasceu com o romantismo,
e o que nós estamos assistindo talvez em parte é o fim desta era das utopias.
Nesta era, se alterou completamente a relação do homem com a natureza
e se alterou completamente, alteraram-se as relações do homem em sociedade,
de modo que, se o romantismo é uma grande ruptura no terreno literário
e tem plenas razões para isto porque ele se entrosa com grandes rupturas no terreno histórico.
Naturalmente, todas as práticas e movimentos que se
denominam anti-românticos são eles próprios românticos, obviamente,
quer dizer, o realismo, o naturalismo,
o pós- romantismo, o simbolismo, o modernismo, as vanguardas,
tudo isto é romantismo.
Eu...
Essa posição é uma posição que foi tomada de um
ponto de vista conservador por um livro muito interessante publicado há cerca de
meio século, mais de meio século,
em 1936, que depois foi reeditado, bem transformado em 1956,
1954.
É um livro de um autor completamente esquecido, um russo que viva na França,
naquele tempo chamavasse, russo branco
o russo que era contra a revolução.
Chamavasse Wladimir Weidlé.
Esse, Wladimir Weidlé,
escreveu um livro chamado As Abelhas de Aristeu.
Nesse livro, Wladimir Weidlé sustenta essa teoria de que nós estamos ainda no período romantico,
e Wladimir Weidlé diz que a grande coisa que o romantismo trouxe foi o fim do estilo,
isso é extremamente grave.
Ele tem uma posição negativismo que não é a minha.
Ele acha que o romantismo acabou com o estilo, antes havia estilo, depois do romantismo deixou de existir estilo.
O romântico foi portanto uma grande força dissolvente.
o que é estilo para Wladimir Weidlé?
É um princípio profundo de unificação
que obriga o autor a obedecer certas normas, ele tem que se conformar com as normas
porque essas normas é que asseguram a identidade da obra.
É preciso que a pessoa fique tranquilizada sabendo está diante de uma tragédia,
de uma fábula, de uma epístola, de um soneto, é preciso que ele seja tranquilizado
ele saiba a quantas andam as coisas, isso é assegurado pelas normas e a obediência estas normas que fazem...
a obediência a essas normas que faz o estilo.
A obediência a essas normas da portanto no interior das obras uma grande unidade,
agora, aí entra a parte de Wladimir Weidlé com a qual eu não concordo,
diz Wladimir Weidlé: esta unidade da obra, essa unidade interior da obra só existirá se ela estiver no referido a algo
exterior e superior a ela.
É preciso que numa civilização os criadores, os artistas sintam
que eles estão criando obras que manifestam algo exterior e superior a eles.
Para Wladimir Weidlé este princípio superior
é um sentimento religioso, ele achava que o romantismo rompeu com o
vínculo religioso e ao fazer isso o romantismo matou o estilo.
O romantismo teria quebrado esta referência da obra, essa grande superioridade,
essa grande exterioridade que assegurava o estilo.
De modo que acontece o que?
Diz Wladimir Weidlé: se rompe esta...
é muito importante esse raciocínio dele...
Mesmo que a gente não esteja de acordo, é muito importante.
Se rompe o vínculo da obra com este algo superior, a obra passa a tomar-se a si mesma como finalidade.
Então, existe uma espécie de hipertrofia da dimensão estética,
a obra perde a bússola.
Então, eu não sei mais, eu sou juiz de uma Bienal, por exemplo,
eu fico em dúvida se eu devo considerar como um quadro isto aqui por exemplo.
eu posso apresentar isto aqui
como produto artístico e chamado por exemplo "mergulho no infinito".
Eu posso apresentar, e justamente...
não estou fazendo em troca nenhuma.
Eu estou me lembrando, por exemplo, daquele trator em cima de um monte de jornais,
na última bienal.
O problema é que uma obra como esta só se refere a ela própria
cada obra tem o direito se referir à ela própria.
Por que? Porque perdeu-se esse vínculo entre o que segurava a sua unidade interior e aquilo...
entre sua unidade interior, que é o estilo,
e aquilo que assegurava a possibilidade deste estilo.
Então, diz Weidlé, nós estamos numa situação de crise que só se resolverá com encontro,
com um novo encontro da arte e a literatura com princípios unificadores.
Wladimir Weidlé, a gente sente que ele estava ligado àquela atmosfera de pensadores russos espiritualistas
que viviam fora da Rússia, da França e da Alemanha,
tipo Shestov,
tipo Berdiaev,
que vem da linha de solovience, são os homens que ligam certas de Dostoiévski,
são homens para os quais só o princípio espiritual pode assegurar o estilo.
Agora, Wladimir Weidlé
não é nem um tolo, ele diz:
isso não quer dizer que as obras produzidas nesse período de ruptura do estilo
sejam obras sem importância, pelo contrário.
Então, ele diz o seguinte: as maiores obras modernas, palavras dele, as maiores obras modernas são aquelas onde a crise se manifesta com maior clareza,
embora sua grandeza não impeça que ela se ache na entrada de um impasse ou na beira de um precipício.
Nada poderia mudar semelhante estado de coisas a não ser a transformação espiritual
da nossa arte e do mundo em que vivemos.
Nós não precisamos estar de acordo com ele para ver como estimulante esse modo de pensar
porque no fundo que nós todos estamos procurando é de fato
uma nova relação do interno da obra com alguma exterioridade.
No curso da minha vida eu já vi, por exemplo,
pensadores, poetas dizerem que a única solução era a volta religião,
então, nós vemos Murilo Mendes, Jorge de Lima, Gustavo Corção, Otávio de Faria, o jovem Vinícius de Moraes,
Alceu Amoroso Lima, procurarem todos a Deus para dar coerência a obra de arte.
Na frança, havia a mesma coisa neste momento, e Andre Geddi pôde escrever naquele tempo:
Deus está na moda.
Todo mundo voltou-se para Deus,
como um princípio unificador.
Neste mesmo tempo havia outro grupo de escritores que buscava
isto no realismo socialista, buscava esse princípio de unificação no interesse pelo drama das classes
trabalhadoras no empenho do escritor na transformação da sociedade, do compromisso
da obra com grande exterior, que seria sua missão social.
Os senhores estão vendo portanto que a literatura do nosso o tempo, a literatura pós romântica,
é uma literatura que parece buscar desesperadamente alguma coisa que assegura aquela unificação perdida,
a busca de um novo estilo, isso nós não encontramos mas nós procuramos gemendo, como dizia Pascal,
nós procuramos gemendo durante todo o tempo em que nós vivemos,
a modernidade a chamada modernidade é em grande parte uma busca angustiada desse princípio perdido
e que então uma literatura do século 21 arte do século 21
seria eventualmente uma arte que teria encontrado um novo princípio que nós não sabemos qual é,
nós estamos vivendo o fim desta dissolução.
Mas os senhores poderiam pensar o seguinte:
o senhor está fazendo afirmações muito abstratas poderia haver alguma prova concreta de que realmente nós estamos num período deste tipo?
Alguma prova concreta de que nós estamos dentro, temos a herança do romantismo?
Sem dúvida nenhuma!
Posso dar aos senhores várias, vou dar algumas.
Eu lembro que dois princípios presentes fundamentais da modernidade são princípios essencialmente romântico,
eu cito apenas dois, o culto da liberdade da escrita é o primeiro,
o segundo é o senso da negatividade.
Vamos ver o primeiro, a liberdade de escrita o senhores sabem que foi a grande reivindicação dos românticos, não é?!
Uma das mais belas frases da literatura é a frase de Victor Hugo:
eu pus um barrete frígio no dicionário.
Eu acho das mais belas imagens da literatura.
Barrete fiígio é o barrete republicano.
É o barrete vermelho da revolução francesa, aquele barretezinho que faz assim.
Por tanto, ele pegou, ele pôs
um barrete frígio no dicionário, acabou com a hierarquia das palavras,
o dicionário todo é válido, eu não preciso escrever cão nem corsel,
posso escrever cachorro e cavalo.
Aí vem a revolução
O romantismo fez isso porque quebrou com as normas tradicionais realmente a partir dele acabar as regras dos gêneros.
Ainda no meu tempo de moço quando havia concursos de sonetos na faculdade de direito,
a comissão era sempre formada por três professores,
e os professores da faculdade do meu tempo, não
agora, eles eram professores bastante convencional,
eram um dos mais convencionais da universidade,
defendiam um patrimônio sagrado.
Então os pareceres deles eram muito interessante e lamento não ter guardado diziam, por
exemplo, os sonetos iam todos com o pseudônimo.
O soneto de João sobre crepúsculo deve ganhar, é melhor do que o soneto de José sobre o amanhecer
porque este obedece rigorosamente as cisuras dos alexandrinos,
enquanto que o soneto de José viola a cesura na sexta sílaba em três lugares.
Não havia dúvida, é só pegar a receita, ponho o método
e tenho resultado.
Foi com isso o romantismo acabou.
A crença na liberdade da escrita, essa crença na liberdade da escrita teve como consequência
fundamental o baralhamento dos gêneros, que é justamente toda a base da literatura de todos
os tempos do ocidente antigamente.
é o limite de cada gênero romântico,
o romantismo começou a acabar com os gêneros que praticamente não existem mais
no nosso tempo.
Os senhores olhando o pré-romantismo, os senhores veem
por exemplo o surgimento de coisas insólitas como a prosa poética nas obras de Ocien, Mcferson,
a prosa poética, que os franceses que gostam muito de puxar para a França
as primazias dizem que já havia no telemaco de Fendlon,
já era prosa poética.
Existe na morte de Abel, de Gesner, na Suiça.
Quer dizer, a prosa poética.
O que que é prosa poética?
É prosa ou é poesia?
Não, é prosa poética, é misturado.
Da prosa poética vem algo ainda mais arriscado que é o poema em prosa.
O poema em prosa que surge na França com Charle Degerran, Aluisio Bertrand
e que depois vai ter nas mãos de Bodelaire
um desenvolvimento extraordinário.
O poema em prosa tendo poema em prosa eu vou mais adiante e faço o verso livre,
eu acabo com a coisa mais sagrada que é a métrica - como usar cada verso.
E chegando ao verso livre eu chego a dissociação da poesia e da métrica, portanto,
eu chego a política moderna que é uma poética praticamente livre, à vontade,
isso tudo vem do romantismo, o romantismo que quando a famosa briga do Hernâni
a peça Hernani de Vitor Hugo
a grande revolta dos conhecedores era porque os atores falaram em alexandrinos
que não caía a cesura na sexta sílaba a platéia se revoltou.
Tava acostumado a ver aquela
melopeia racianiana, corleniana, volteriana,
Kasemir Delevingne,
derrepente, BOOM!
Vem aquele homem, divide o alexandrismo em três pedaços, em quatro pedaços,
o ouvido reagiu, houve uma pateada tremenda.
Isso era sagrado! O romantismo acabou com isso, ao acabar com isso o romantismo acabou com
o problema dos gêneros porque entrou alguma coisa insólita
que foi o trunfo do romance.
O romance não existia
na teoria da literatura, como senhores sabem,
praticava-se mas não existia, não havia nada previsto para o romance porque o romance
não tendo entrado na poética de Aristóteles não havia, ele está fora da literatura.
O romance era cultivado aqui e ali, livremente, era uma coisa secundária, popular,
mas de repente essa coisa secundária popular torna se a coisa fundamental da literatura,
como a telenovela pode ser a coisa fundamental do século 21 ou coisa parecida no século 22.
Isso desorganizou completamente, vamos dizer, todo cânone literário.
Esta liberdade de escrita estava ligado a algo que é o sagrado para a modernidade que é o gosto pela inovação
e o gosto pela inovação ligado indissoluvelmente ao gosto pela experimentação.
Na verdade, não há literatura sem inovação se não teria parado com as primeiras manifestações de Adão no paraíso, não é verdade?
A literatura consiste em inovações incessantes mas acontece que não só essas inovações eram bastante bitoladas
como não eram proclamadas,
o bonito era não inovar então um escritor que inovava dizia, por exemplo,
não faço mais que seguir os clássicos.
Os senhores peguem os compêndios de colégio do século passado no Brasil são edificantes,
sob esse ponto de vista,
A pessoa diz: lições de lógica copiadas do genuense por José Antônio de Souza Faria,
Elementos e retórica e poética nacional copiadas de Hagbler, por José da Costa Honorato .
Copiar os clássicos e dizendo no prefácio nada mais fiz do que transpor os mestres.
Inovava um pouquinho, mas gritava logo,
não estou inovando nada!
É só coisa antiga!
Essa mentalidade, o senhores veem muito bem em Racine por exemplo,
Racine fez inovações incríveis,
ele fez uma tragédia muito bonita que é Bajazet
que negava toda a convenção da tragédia, ela não se passava na antiguidade,
ela se passava na Turquia.
Não se passava na antiguidade se passava na idade contemporânea
e não se passava nem em Roma nem na Grécia passava-se
na Turquia de maneira que isso é inovação uma inovação tremenda
mas no prefácio Racine diz impavidamente
que ele está seguindo todos os cânones clássicos e justifica até.
É muito habilidosa.
O distanciamento no espaço compensa a proximidade do tempo.
Eu estou no mundo contemporâneo mas estou na Turquia que é muito longe.
Então, vocês estão vendo essse homem inovando, quebrando, mas dizendo:
estou seguindo Eurípides não me afasto um momento de Sófocles,
está se afastando muito.
Agora, o romantismo ao contrário a pessoa pode plagiar desenfreadamente e dizer:
isso que estou fazendo é meu, é original.
É a mania da originalidade que todos nós temos.
Um dos bichos papões da modernidade é o medo do plágio, todo mundo acusa o outro de plagiário,
porque todo mundo quer ser profundamente original,
é uma posição romântica típica,
quer dizer, a soberania do indivíduo contra norma.
De modo que, como nós não podemos ser
originais mesmo, nós somos originais na melhor das hipóteses 10%, 15%,
o resto é tudo tirado de alguém,
dos outros, nós afirmamos aquilo que não somos,
da mesma maneira que os clássicos afirmava que não eram -
nós não estamos inovando nada- e estavam de fato inovando.
Agora, essa mentalidade de inovação deu a literatura moderna,
ligado ao rico da história uma transformação como nunca tinha vivido antes,
quer dizer, a literatura muda a cada dez anos, cada 15 anos,
isso foi tudo aberto pelo romantismo.
Quanto à negatividade, a negatividade foi a consequência mais extrema das posições românticas.
Nós podemos distinguir uma negatividade expressional, uma negatividade temática- negatividade dos temas,
negatividade da expressão,
Negatividade dos temas, por exemplo, o satanismo.
As poesias das ruínas.
O novo gosto da morte, a morte como redenção, a morte não como salvação,
que era o caso dos barrocos,
a morte não com meditação para barrocos,
mas realmente a morte como nova vida,
o sonho como alternativa da vigília,
uma vida autônoma e a morte como prolongamento do sonho,
portanto é uma negação da vida,
como a ruína é a negação do edifício.
E os senhores sabem que o pré-romantismo pôs em moda o gosto da ruín.
As pessoas mandavam fazer uma casa um grande jardim e na casa mandaram construir ruínas.
Então, vem o arquiteto especializado, fazia crescer
musgo ali ao lado, quatro tijolos quebrados, duas pedras pra cá para dar aquele ar de melancolia
que a ruína traz.
É uma ruína pré-fabricada, por que?
Pelo gosto da negatividade, é a morte,
é a decadência da civilização,
é a melancolia, é tudo isso.
Essa sobras da negatividade temática estavam também ligadas a uma negatividade expressional.
Os senhores têm o gosto pelo fragmento que nasce com o romantismo.
Pensando se bem...
é uma verdadeira loucura essa nossa aventura da modernidade
que é o gosto pelo fragmento, pelo inacabado pela obra aberta,
como senhores?
A gente faz as coisas pra acabar.
Ninguém faz uma casa sem telhado, ninguém faz um automóvel com uma roda apenas,
mas a literatura faz, a literatura e arte entraram e tiraram
disso coisas extraordinárias e transformou-se
essa coisa negativa em algo positivo.
Nós fizemos da negatividade um princípio fundamental da arte moderna,
inclusive matar o sentido por exemplo.
Matar o sentido.
Fazer as obras e inteligíveis.
A gente pega a poesia de Malarmé, nós ficamos em dúvida se realmente
Malarmé temos que começar essa aventura no pós romantismo
não sabemos realmente qual é o significado,
há um significado frequentemente,
mas é preciso que o autor o apresente como se não fosse significado.
O significado em vez de ser posto à disposição do leitor ele é escondido, daí o gosto pelo oculto,
o gosto pela elipse, o gosto pelo fragmento.
A arte moderna é uma arte fragmentária, não é verdade?
Ungareth dizia na universidade de São Paulo,
repetia muito, nós aprendemos esse negócio fragmento com Ungareth, nos anos 30.
Ungareth dizia a única solução da poesia contemporânea é o fragmento, não há possibilidade.
Se eu saio do fragmento eu caio na prosa.
Ficou na poesia discursiva.
Ele dizia, o fragmento é a figuração do sentido entre dois abismos.
É uma beleza esse...
o fragmento é uma fuguração de sentido entre dois abismos.
Quer dizer, o abismo anterior e o abismo posterior
são aquilo que o autor não dá ao leitor,
é o começo e um fim,
ele dá apenas o meio.
Então, Ungareth tem um poema famoso de um verso,
chamasse Dilúvio,
"D'altri diluvi una colomba ascolto"
"Eu escuto a pomba de outros dilúvios".
Só isso.
D'altri diluvi una colomba ascolto
Muito bem.
Eu sabendo que o poema chama dilúvio,
o título torna-se fundamental,
sem o título eu não entendo nada.
Sabendo que é dilúvio, eu procuro cumular o abismo anterior
e o abismo posterior
para entender essa configuração intermediária.
Qual é o abismo anterior?
Havia um homem chamado Noé, que era um justo.
E Deus estava irritado com os homens, resolveu mandar um dilúvio.
Chamou Noé e disse:
Faça uma arca para todos os animais, junta ae com sua família que eu vou mandar água no mundo
e durante 40 dias, choveu.
E no fim de 40 dias acabou e agora vem o depois,
a arca parou em cima do monte Ararat na Armênia.
Aí da arca sai uma pomba que sai voando.
E o mundo reconheçou.
"D'altri diluvi una colomba ascolto"
A gente entende.
Estou sentindo nesse mundo catastrófico que nós vivemos
que alguma coisa de terrível, de destruidor se prepara.
Agora, qualquer que seja essa destruição há sempre a esperança
de que o mundo recomece através da pomba da esperança.
Mas isso aí, vamos dizer, diante da literatura tradicional
era uma aberração monstruosa,
a gente não imagina Horácio, nem Virgílio,
nem Cornei, nem Shakespeare,
fazendo uma brincadeira dessas.
Isso para nós deixou de ser brincadeira e tornou-se uma coisa da maior seriedade.
Da mesma maneira, que a tela do pintor destruiu a
forma da sua mancha, não é verdade?
De modo que grande a negatividade através da
obra inacabada, através do fragmento,
através da elipse, através do abismo semântico,
através do despistamento semântico, isso foi criado pelo romantismo.
Ungaretti até nos explicava, eu nunca averiguei bem se isso é verdade.
Ungaretti nos explicava que o culto do fragmento nasceu de um acidente editorial,
porque ali por 1919,1920,
a família de Andre Chénier deu os papéis dele para uma pessoa publicar e esse camarada,
que foi publicar, esqueci o nome dele,
viu que Andre Chenier tinha deixado pedaços, esboços,
publico ou não publico?
Andrea Chénier foi guilhotinado muito moço,
então ele publicou as poesias completas e os fragmentos.
Diz Ungaretti: ao publicar os fragmentos, que Adre Charnier não fez como fragmentos
eram obras inacabadas, os românticos encontraram algo congenial nas suas aspirações,
que é o senso do inacabado,
é o senso do aberto e passaram a cultivar o fragmento.
Os senhores devem estar acostumado na nossa literatura
brasileira como os nossos poetas românticos usam um recursos de falso fragmento
que é a linha de pontos.
Senhores se lembram?
Castro Alves, Casimiro de Abreu, Gonçalves Dias,
simplesmente põe entre uma
estrofe e outra uma linha de pontos,
só para fingir ruína, é a ruína do jardim.
A sequência é perfeita mas
deu aquele tom fragmentado.
Isto é um pedaço.
Por que? Porque o romântico acha que a palavra é inferior ao seu objeto.
Essa expressão: não tenho palavras para exprimir,
deve ter nascido com o romantismo.
Quer dizer, "não tenho palavras",
porque antes sempre a pessoa encontra a palavra para exprimir
porque a palavra é sempre feita para exprimir.
Exprime aquilo que fala.
O romântico que diz: não tenho palavras para exprimir a minha emoção.
Tá certo.
Porque para o romântico a emoção aquilo que a pessoa vive é muito maior do que a sua possibilidade.
Para um escritor barroco por exemplo, a palavra é algo superior ao objeto,
ele envolve o objeto naquela torrente de palavras,
para o clássico a palavra é igual ao objeto,
tenho uma realidade exprimo a realidade,
para o romântico a palavra é inferior ao objeto.
Essa crise de inferioridade da palavra é que nós vivemos até hoje.
É uma palavra em desespero, uma palavra que se fragmenta, que se nega,
que procura obscuridade, vejam bem,
eu não estou na posição negativista de Wladmir Wleidlé,
eu estou na posição positiva,
estou dizendo que a grande arte moderna, a grande literatura moderna se construiu
dentro dessa angústia de negatividade,
ela se construiu como naquele verso final
do The Waste Land do T. S. Eliot.
"Eu juntei os meus pedaços contra essas ruínas junto os pedaços que posso para poder fazer
alguma coisa nesse mundo esgotado arruinado"
Então, eu creio que nós podemos dizer que a modernidade
realmente, a modernidade realmente é um fenômeno de raízes românticas,
nós estamos devendo aquilo,
nós estamos colhendo aquilo que o romantismo semeou e a grandeza da nossa arte como diz o próprio Weidlé,
a grandeza do nosso, tudo que é grande do nosso tempo vem desta crise,
vive nesta crise.
Isto posto, eu não posso deixar de falar um pouco sobre a literatura brasileira do século 20, se não
o professor Carlos Vogt,
fica numa má posição, porque ele anunciou que iria falar sobre literatura brasileira no século 20.
Não quero deixa-lo mal.
Eu queria juntar alguma coisa disso com a nossa literatura porque ela que nos interessa diretamente,
ela que nós estamos vivendo.
Eu queria expor rapidamente aos senhores alguns aspectos da literatura brasileira no século 20 que
estão ligados à toda essa inquietação mas vou traduzir isso em inquietações locais,
em inquietações nacionais, nas inquietações brasileiras.
No Brasil, o século 20 se abriu...
nós diríamos dentro do que dissemos anteriormente numa fase já tarda de evolução do
romantismo, o século 20 se abriu para uma tensão muito curiosa,
o esteticismo de um lado e o desejo de um empenho realista de outro.
Assim, se abre o século 20.
Quer dizer, nós temos na virada do século nós temos os chamados Nefelibatas,
nós temos aqueles poetas simbolistas e nós temos Os Sertões de Euclides da Cunha 1902,
e nós temos Canaã de Graça Aranha em 1902,
nós temos logo a seguir a obra de Lima Barreto.
No Brasil, nós entramos do século e essa tensão entre um esteticismo que leva a obra a se fechar sobre ela mesma
e no empenho social histórico que leva a obra a se abrir para algo externo a ela mas algo imediatamente externo
que é a sua realidade nacional.
É assim que se abre.
Isso no Brasil era extremamente momentoso
porque o Brasil não é a Inglaterra, não é a França.
O Brasil é um país em formação, um país que ainda estava se constituindo como nacionalidade e como nação,
então, a literatura era chamada a
desempenhar muito mais papéis, a sobrecarga sobre literatura muito grande,
esperava-se da literatura praticamente tudo.
O Brasil é um mar de literatura e sobretudo de literatisse.
Quer dizer, aquele tempo era banhado de literatura,
os médicos faziam literatura, os engenheiros faziam literatura, proa é Euclides da Cunha.
Os advogados então nem se diz, só faziam literatura praticamente,
Rui Barbosa, o maior nome do país era Rui Barbosa que transformava tudo em literatura
e frequentemente em subliteratura.
Quer dizer, os concurso da faculdade de medicina eram avaliados às vezes pelas imagens dos candidatos.
Eu então queria ver essa tensão do começo do século e como é que isso se desenvolver,
mas vejam bem, eu estou pensando agora na possibilidade de unificação da obra através da elaboração de um
estilo, não daquele nível de alta abstração de Weidlé,
estou pensando na obra e estou pensando em algo exterior e superior a ela mas em imediato que é o meio social
que são as pessoas, que é a cidade
que é o país no qual a obra está,
não o sentimento religioso, não qualquer transcendência, uma coisa imediata.
Como é que a literatura se comportava em face desse exterior?
O pressuposto da literatura romântica brasileira é que literatura não podia existir sem um compromisso direto com esta realidade exterior imediata.
Não fazendo isso a pessoa não era bom escritor.
Eu gosto sempre de chamar à baila, nesse momento, Alvares de Azevedo
que era um rapaz tão inteligente,
um rapazinho tão original que morreu aos 20 anos
e dizia isso é bobagens.
"Eu não quero saber de nada do que está em volta de mim, esse negocio de indianismo é bobagem."
Ele dizia.
Os indianistas que vão passar um dia no mato por acaso para ver como é duro.
Os mosquitos compreende.
Vão para lá para falar.
A nossa natureza é um problema sério dizia, não é brincadeira.
Ele inclusive chegava ao ponto no romantismo de dizer que a literatura brasileira não era separada da portuguesa.
Uma coisa só.
Ele fazia até, tinha um escrito que ele diz:
se eu separar a literatura brasileira eu perco um homem como Bocage
e quem ganha a troco?
O senhor Domingos José Gonçalves de Magalhães,
ele dizia, então eu fico com a união.
Bom, mas o fato é a obra de Azevedo é uma voz isolada,
o critério de validade de uma obra era sua referência ao mundo social e natural imediatamente exterior
a esta obra.
Este era o critério
Tanto assim que se dizia: Alvares de Azevedo é muito bom mas não é brasileiro.
Brasileiro é Gonçalves Dias, brasileiro é o barão de Paranapiacaba,
Alavares de Azevedo não.
Ser brasileiro era descrever o maracujá, os índios, as onças,
aí quer dizer, é uma coisa patética e muito justa porque era a
nacionalidade procurando desesperadamente a sua formalização do plano simbólico,
era realmente a
criação dos símbolos da nacionalidade.
Esses símbolos então eram desesperadamente procurados pelos escritores e toda a nossa literatura,
ainda no meu tempo de menino colégio,
o critério para a validade de uma obra é a sua referência ao mundo exterior,
exprime bem a realidade, é uma obra bem
brasileira, nós sentimos o Brasil,
tem manga, tem saputi, tem índio, tem onça,
tem a cidade de São Paulo,
então é brasileira.
Essa tensão se manifesta muito agudamente no começo do século e no começo do
século pela primeira vez os simbolistas colocaram uma alternativa,
o importante é a beleza independente do país,
o importante é a alma independente da nacionalidade
Então, essa tensão governa um pouco
a literatura brasileira no século 20 e está começando a se resolver nos nossos dias.
Por isso é que eu digo que agora nós estamos talvez saindo do romantismo.
Eu vou tomar apenas um exemplo, porque eu tenho apenas dez minutos,
eu vou tomar um exemplo para dar uma ideia desse problema,
o problema do regionalismo que é o mais característico de todos,
O problema do regionalismo é muito interessante porque o regionalismo durante certo tempo foi tomado com uma própria expressão do Brasil,
o regional é o brasileiro o resto é o cosmopolita.
Isto se abre para um diálogo, há um diálogo virtual que nunca existiu mas que eu imagino um diálogo virtual
entre Franklin Távora e Visconde de Toné,
imagino os dois brigando, talvez eles nem tenham se conhecido.
Franklin Távora representava a tendência localista,
Toné representava a tendência injusta e a tendência integradora.
Franklin Távora, os senhores se lembram,
dizia o seguinte:
No Brasil, há duas literaturas a do Norte e a do Sul,
não há uma literatura só há duas.
Norte e Sul são
duas realidades diferentes.
Então, os romances dele talvez já viram as primeiras edições,
tem assim: Literatura do Norte, Franklin Távora, 1- Lourenço.
O cabeleira: Literatura do Norte, Franklin Távora, 2- Lourenço.
Literatura do Norte, Franklin Távora, 3-
esqueci o nome do outro, Matuto.
É Cabeleira, Matuto e Lourenço, os três.
Ele pregava a literatura do Norte.
Então ele queria fazer um regionalismo que fosse também separatista de certa maneira.
Esse é um hiper-regionalista esse é um homem que leva a última extremo a posição romântica,
de dizer que o que faz a força de uma literatura é sua referência imediata há alguma coisa externa próxima