As explicações para a volta do partido de Evo Morales ao poder na Bolívia
Muita gente pensou que essas imagens, de 2019, representavam o fim do poder do MAS,
o partido do ex-presidente da Bolívia Evo Morales. Mas apesar da controversa e abrupta saída de
Morales da presidência e do país em meio a ondas de protestos e denúncias de fraude eleitoral,
o MAS, sigla para Movimento ao Socialismo, está de volta.
Sou Adriano Brito, da BBC News Brasil, e neste vídeo falo sobre os motivos que levaram Luis Arce,
candidato de Morales, a ganhar a eleição de forma contundente, já no primeiro turno,
algo que as pesquisas não previram. Ele levou 55,1% dos votos,
contra 28,8% do oposicionista Carlos Mesa. Bem, primeiro é importante lembrar que Evo
Morales governou o país por quase catorze anos e era bastante popular, mas passou a
ser cada vez mais criticado pelas sucessivas manobras jurídicas para se manter no poder.
Ele acabou tendo de deixar o cargo e o país em meio a denúncias de fraude
na eleição realizada no ano passado, que foram questionadas no país e internacionalmente ao dar
vitória a Morales ainda no primeiro turno. A OEA, Organização dos Estados Americanos,
levantou a possibilidade de fraude. Organizações independentes, no entanto,
questionaram esses supostos indícios. Mas agora vamos ao presidente eleito.
Luis Arce tem 57 anos e foi ministro da Fazenda e Economia de Evo Morales.
Ele ajudou o líder do movimento dos camponeses a elaborar seu plano econômico de governo e,
para muitos, foi o cérebro do boom econômico que a Bolívia viveu nos anos do MAS no poder.
E embora Evo Morales tenha deixado a presidência pela porta dos fundos
em 2019, ele deixou para trás um país que se transformou radicalmente durante sua gestão.
E apesar das críticas a ele, acusado por muitos de autoritário e de querer se eternizar no poder,
o êxito de sua gestão na economia só era colocado em dúvida por poucos.
Para esses críticos, ele perdeu a oportunidade de fazer o país crescer ainda mais.
Mas bem, durante o mandato de Morales, a Bolívia se transformou em um dos países
que mais cresciam na América Latina, se aproveitando do chamado boom das commodities.
Foram mais de cinco anos crescendo 5% anuais Além disso, milhões de bolivianos saíram da
pobreza graça aos planos econômicos impulsionados pelo governo.
Como ministro, Arce supervisionou a nacionalização das indústrias de minério,
gás e telecomunicações da Bolívia. Também promoveu medidas para incentivar
o mercado interno e dar estabilidade à moeda do país, o boliviano.
Também ajudou a lançar o Banco del Sur, um fundo de desenvolvimento regional para projetos de
infraestrutura e desenvolvimento social. Essa experiência pode ter sido chave para
atrair os eleitores em um momento em que a Bolívia enfrenta uma das piores crises de sua história.
Quando Evo Morales saiu do poder em 2019, deixou um país profundamente dividido e polarizado.
De um lado, estavam aqueles que apoiavam sua saída por causa das denúncias de fraude eleitoral,
e de outro, os que o defendiam e ainda o consideravam como presidente legítimo do país.
E embora o apoio a Morales tenha diminuído nos últimos anos de governo,
ele mantinha uma base eleitoral forte. Evo Morales chegou ao poder em 2006,
fazendo história ao se transformar no primeiro presidente indígena da Bolívia.
Isso foi, aliás, um feito paradoxal, já que estamos falando de um país
onde 70% da população é indígena. Esse dado ajuda a mostrar a pouca
representação política que essa grande parte da população, e também explica como
Morales e seu partido conseguiram montar uma base eleitoral tão forte e sólida.
Essa mesma base defendeu o ex-presidente nas ruas quando ele deixou o poder,
e foi duramente reprimida pelo governo da presidente interina Jeanine Áñez.
E foi esse mesmo grupo de eleitores que votou em peso no candidato do MAS,
mostrando nas urnas ainda ser maioria no país. Outro elemento que pode ajudar a explicar o
sucesso do partido de Morales na eleição é a impopularidade do governo interino.
A saída de Evo Morales, em novembro de 2019, deixou uma lacuna de poder que terminou com
a senadora oposicionista Jeanine Áñez, com uma Bíblia nas mãos, assumindo o governo interino.
Mas a gestão da presidente interina ficou marcada pela pandemia de coronavírus,
alguns casos de corrupção e a pela agitação política que ela teve de enfrentar.
Áñez foi duramente criticada dentro e fora da Bolívia pela maneira como reprimiu os
protestos a favor de Evo Morales na época em que assumiu o poder.
Dezenas de manifestantes morreram nas ruas em conflitos com o exército
comandado pela presidente interina. No início, a tarefa de Áñes era
convocar novas eleições, mas ela acabou se colocando como candidata quando seus níveis
de popularidade atingiram o ponto mais alto. No fim, acabou se retirando da disputa
por causa da falta de apoio e para formar uma frente única contra Arce,
e tentar evitar a volta do MAS ao poder. Mas a exemplo do que ocorreu com quase todos
os mandatários do mundo, a covid-19 foi um dos desafios mais difíceis da presidente interina.
Áñez, que foi infectada com o vírus, tem sido muito criticada por sua gestão da pandemia.
Em julho, imagens chocantes mostraram centenas de cadáveres nas ruas de La Paz e Santa Cruz,
deixando evidente o drama enfrentado pelo país. A Bolívia é o terceiro país com mais mortes
por milhão de habitantes no mundo, atrás apenas do Peru e da Bélgica.
E a esses números nada animadores se somaram às denúncias de corrupção na gestão da pandemia.
Um dos casos mais polêmicos do então ministro da Saúde Marcelo Navajas, que foi destituído e preso
por causa do sobrepreço na compra de respiradores. Para completar, a longa quarentena foi um grande
golpe na economia de um dos países com as maiores taxas de informalidade do planeta.
Ou seja, tudo isso deixou o governo de transição em uma posição muito desfavorável, abrindo caminho
para o retorno do MAS na figura de Luis Arce. É importante frisar que será um retorno difícil:
o país está no meio de uma crise sanitária e econômica sem precedentes e ainda vivendo
uma forte polarização política. Arce negou em entrevista à BBC
ser uma marionete de Evo Morales, e disse que o governo será dele, e não do ex-chefe.
E que vai caber a Morales, hoje vivendo na Argentina, decidir se volta à Bolívia.
A gente da BBC News Brasil vai continuar acompanhando a conturbada política boliviana.
Tem dúvidas? Deixa aqui nos comentários. Eu fico por aqui, tchau!