O incrível caso da Mudez de Porto Alegre | MOCUMENTÁRIO
[silêncio]
"Desculpe, mas não deu pra entender direito.
Como o senhor acabou perdendo a voz?"
É cada vez mais comum encontrarmos porto-alegrenses que não falam mais entre si.
Diogo é apenas um caso entre milhares de pessoas que pensam ser entendidas por todos,
mas sofrem com isso.
A gente não é natural de Porto Alegre.
Faz uns 10 anos que nos mudamos pra cá.
Quando chegamos aqui, percebi que as pessoas falavam pouco, mas achei que era natural.
Porque a cidade é grande, as pessoas se conhecem pouco.
Aí eu percebi que alguns porto-alegrenses começavam a falar as palavras pela metade.
Então entendemos que isso era um problema, só que...
eu jamais imaginei que meu Diogo ia sofrer desse mal algum dia.
E agora ele está assim também.
É muito triste.
Desde muito tempo, os porto-alegrenses têm procurado se comunicar de maneira mais rápida.
Alguns estudiosos afirmam que isso pode estar ligado diretamente ao fato de que eles são
curtos e grossos e não têm tempo para conversa fiada.
Já historiadores apontam para a cultura dos mensageiros instantâneos, que forçam as
pessoas a escrever meias palavras e, consequentemente, acabam falando meias palavras também.
Para entendermos melhor sobre este problema, conversamos com um dos maiores entendidos
na área.
Chê, negócio é o seguinte.
Esse negócio de falar as palavras inteira, não tem necessidade, é frescura, chê.
Porque o gaúcho bom mesmo, ele entende meias palavras.
Por exemplo, super mercado: super.
Bergamota: berga.
Barbaridade: bah.
Churrasco: churras.
Chimarrão: chimas.
Porto Alegre: Porto, ou senão pode ser Poa, ou até mesmo "Po".
É verdade, porque pra um gaúcho bom entendedor, meia palavra ba...
"Só tô passando aqui pra te dizer que hoje a gente não vai na tua casa.
Sei que a gente prometeu que ia ir, mas é que a Diana descobriu o video-game.
Olha a cobertinha, tá tão gostosinho aqui.
Então a gente vai ficar por aqui hoje, tá?!"
Sabe que...
Eu tenho tanto medo de esquecer a voz dele.
Como que eu vou esquecer a voz do meu filho?
Então... eu... assisto alguns vídeos antigos, sabe?!
De antes de virmos morar em Porto Alegre.
Meu Deus, isso é tão triste!
Tem tantas famílias passando por isso e ninguém consegue ver uma luz no fim do túnel.
Ninguém consegue ouvir uma voz nesse túnel.
"Oi mãe.
Só tô passando aqui pra te dizer que hoje a gente não vai na tua casa.
Sei que a gente prometeu que ia ir, mas é que a Diana descobriu o video-game.
Olha a cobertinha, tá tão gostosinho aqui.
Então a gente vai ficar por aqui hoje, tá?!
Mas na próxima que a gente for aí faz aquele feijãozão com aquela couve refogada que
tu faz...
Hmm, delícia.
Mas hoje sinto muito, a gente vai ficar em casa com o friozinho jogando video-game.
Tá bom?
Beijo.
Tchau!"
É difícil encontrar uma luz no fim do túnel para estes casos.
Medidas necessárias e urgentes estão sendo tomadas para resolver o poblema.
Eu já disse pra ele, sai de Porto Alegre, é a única saída.
Mas não!
Parece que além de não falar mais também não ouve direito.
O Diogo tá perdido.
Sinceramente eu rezo pra ele todas as noites, mas...
não sei se vou ter meu amigo de volta.
Estamos chamando esse caso de mudez porto-alegrense.
Como isso acontece, cientificamente falando?
Ela começa devagar.
E aos poucos a pessoa vai perdendo a habilidade de formar palavras inteiras.
Quando ela percebe foi longe demais, aí já esqueceu como formar essas palavras.
Ela perde isso e ela começa a se comunicar por gestos.
Bah, chê!
Eu me cuido muito porque eu não posso perder o hábito de falar as palavras, né chê.
Nem que sejam meias palavras, mas eu tenho que me comunicar através das palavras, chê.
Agora vou te falar uma coisa, essa gurizada, chê...
Tá indo longe demais, chê.
Verdade!
Eu tenho mesmo tenho um amigo muito próximo que não tá conseguindo falar mais nada.
O nosso maior medo é que as pessoas percam a habilidade de se comunicar.
Depois de elas perderem os gestos elas entram num estado que chamamos de estado gutural.
Onde elas só emitem ruídos.
Chegando nesse estado fica muito difícil pras famílias.
Vamos tomar tomar a palavra CHURRASCO, por exemplo.
Com o tempo acaba percebendo que as pessoas entendem se for falado apenas "CHURRAS".
Depois vira "CHU".
E finalmente a palavra some.
Dando lugar ao gutural e aos gestos.
Ouve só esse áudio, de quando ele já estava falando as coisas pela metade.
"Ô mã... pô... o... pra... na me... que eu vou levar a Di... pra jan..."
"E o que ele quis dizer?"
Ô mãe, põe outro prato na mesa que eu vou levar a Diana pra jantar.
Para a sorte das pessoas que possuem a mudez porto-alegrense, a ciência explica que a
melhor saída ainda são os grupos de apoio.
Falar, se comunicar, interagir, estar em grupo ajuda a estimular o cérebro a externalizar
as palavras.
Depois da conversa com o Dr.
Davi, a mãe de Diogo resolveu colocá-lo em um desses grupos com a esperança de que
isto funcione.
Definitivamente é minha última tentativa.
Eu não quero me mudar de Porto Alegre.
Quero que ele se cure pra gente ficar aqui.
Já pensou ter que ir embora de Porto Alegre e pegar esse trânsito horrível?
Eu não aguento isso.
Quero que ele fique bom.
Tô torcendo por ele.
Tudo que eu queria era meu noivo de volta me dando bom dia.
Só isso.
Não tenha dúvida, vai funcionar.
Bah, chê!
Aham!
Isso aí ó, vai ser super...
Tri...
Bagual.
Será que vai dar certo?
Não sei se ele vai conseguir...
Muita calma, vai dar tudo certo...
Mas será que dá mesmo?
Eu não sei...
É tanto tempo que ele está sem falar...
Não dá pra ouvir nada...
Ahhhh!
Alguém trouxe o mate?!
[palmas]
Deu certo, ele conseguiu!
Eu tô falando!
[...]
Eu tô falando!
Meu filho, tu conseguiu!
Mais uma vez a ciência foi útil.
Diogo finalmente voltou a falar com as pessoas.
Mas quantas famílias ainda sofrem com este mesmo drama?
Quantas pessoas não conseguem entender as meias palavras dos porto-alegrenses?
Quando as pessoas vão começar a conversar mais nas ruas?
Não sabemos...
Mas Diogo tem algo a dizer.
Preciso dizer, mas eu tô muito feliz que tô conseguindo falar de novo.
Juro uma coisa pra ti, nunca mais abrevio as palavras.
"E então, agora qual o seu próximo passo?"
Pergunta interessante.
Acho que o próximo passo agora é colocar o "S" no final dos plural.