A China pode retaliar o Brasil? O risco do atrito entre os dois gigantes
[Dec 16, 2020].
O mais recente atrito do Brasil com a China, provocado por uma fala do deputado federal Eduardo Bolsonaro, gerou uma reação dura do gigante asiático.
Há mais ou menos um mês, o deputado publicou (e depois apagou) um tuíte dizendo que o governo brasileiro apoiava uma "aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China”.
Ele fazia uma referência à concorrência internacional para às redes de telefonia móvel.
A embaixada chinesa em Brasília rebateu.
O governo brasileiro pode ter que "arcar com consequências negativas e carregar a responsabilidade histórica de perturbar a normalidade da parceria China-Brasil".
O tom da resposta dos chineses foi entendido claro (por muitos) como uma ameaça.
Daí fica a pergunta: e se a China der as costas ao Brasil?
Tipo, por causa de atritos como este, adotar represálias comerciais como fez há pouco com a Austrália.
Só as vendas no varejo na China ao consumidor chinês, somaram 6.2 trilhões de dólares no ano passado.
Isso é quase cinco vezes a PIB Brasileiro, a soma de todas as riquezas que país produz.
Daí você lembra: ah, mas por outro lado, a China é a maior compradora de nossas matérias-primas negociadas no mercado internacional — as chamadas commodities - como petróleo, soja e minério de ferro?
Então a China depende do Brasil.
Pode ser.
Eu sou Rodrigo Pinto, da BBC News Brasil em Londres, e neste vídeo eu vou explicar esse nó de interdependência entre o gigante asiático e o gigante sul-americano.
E refletir sobre quem tem mais a perder com eventuais atritos.
De cara, já deixo um spoiler: nós conversamos com especialistas e eles dizem que, embora de fato dependa do Brasil, nada impediria a China de nos retaliar.
Mas a China pode também ignorar declarações como a do filho do presidente, em nome dos negócios.
O tal pragmatismo chinês.
Para começar, vamos entender em que pé está a relação do Brasil com a China: A China é a principal parceira comercial do Brasil desde 2009, quando superou os Estados Unidos.
Eles compram cada vez mais do Brasil.
E, como compra muito mais do que vende, a China contribui para manter o saldo comercial brasileiro no azul positivo.
Economistas chamam isso de superávit (quando as exportações superam as importações).
Para vocês terem uma ideia do peso que a China ocupa na nossa economia, de janeiro a outubro deste ano, 65% desse saldo, do superávit, veio de vendas aos chineses.
Isso dá uns 30 bilhões de dólares dos 40 bilhões de dólares do saldo comercial que o Brasil teve no período.
Há quase dez anos, em 2011, essa taxa era de 39%.
Ou seja, pra ficar no azul na balança entre compra e venda ao exterior, o Brasil conta com a China.
No total das exportações até o momento em 2020, a China foi destino de 30% do que o Brasil vendeu a outros países.
As vendas cresceram 10% em relação a 2019.
Já os Estados Unidos representaram 10% das vendas brasileiras ao exterior.
E, embora o atual governo brasileiro tenha uma boa relação com o atual governo americano, do presidente Donald Trump, as vendas caíram 30% do ano passado para 2020.
Ou seja, a nossa dependência em relação à China vem aumentando.
Mas a China também ficou mais dependente das matérias-primas brasileiras.
Para abastecer seu imenso mercado interno, a fome do gigante asiático por produtos como soja, carne, minério de ferro, açúcar e celulose cresceu.
Brasil ganhou espaço frente à concorrência internacional como provedor desses recursos.
A isso se deveu uma combinação de fatores.
Eu cito aqui alguns:
1) a nossa capacidade de produção agropecuária, que é muito grande.
2) a forte desvalorização do real — uns 40% no ano, que deixou as matérias-primas brasileiras mais baratas no mercado internacional.
3) os atritos entre China e Estados Unidos, durante a Presidência de Donald Trump, que, por sinal, está de saída.
Vejam o que nos disse Tulio Cariello, diretor de conteúdo e pesquisa do Conselho Empresarial Brasil-China.
[Tulio Cariello: "...De fato eles dependem do Brasil em alguns sectores......"]
Um dos exemplos mais emblemáticos disso é a soja.
De janeiro a outubro, os embarques de soja brasileira à China chegaram a quase 60 milhões de toneladas, alta de 18% em relação ao mesmo período em 2019.
Apenas em setembro, a soja brasileira chegou a abocanhar 75% de todas as importações de oleaginosas pela China, enquanto a soja americana, nossa principal concorrente, ficou com apenas 12%.
Ou seja, a curto prazo, devido às conjunturas interna e externa, os chineses não terão opção.
[Terão que], têm, sim, que importar produtos do Brasil.
Mas no longo prazo o papo é outro.
Cariello diz que os chineses estão buscando novos fornecedores desses produtos, investindo em diferentes lugares do mundo, como Leste Europeu, África e até mesmo Canadá.
Eles botam dinheiro e compram a produção de volta.
Em entrevista recente à BBC News Brasil, o diplomata aposentado Roberto Abdenur, que atuou como embaixador em Pequim e nos Estados Unidos, foi categórico.
Abdenur chama de “ilusão” acharmos que a China vai concentrar compras de produtos no Brasil, em um grande fornecedor apenas.
Olha o que ele disse: “A China está financiando projetos agrícolas importantes na África, em regiões que têm um clima e solo parecidos com os do Brasil, e está em entendimentos também para aumentar a produção de soja na Rússia e na Ucrânia".
Abdenur acredita que: "O Brasil está metendo os pés pelas mãos de maneira desarrazoada e contraproducente.
Eduardo Bolsonaro fala como deputado, como filho do presidente e como presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara.
É de uma imensa irresponsabilidade, agora ameaçando causar danos graves aos interesses do Brasil com a China”.
A opinião de Abdenur tem espelho na realidade.
Em 2020, a China adotou retaliações econômicas contra a Austrália — de quem importa a maior parte de seu minério de ferro.
Olha só!
Apesar de a Austrália ser um principais parceiros comerciais da China, quando autoridades australianas pediram uma investigação internacional sobre a origem do coronavírus, os chineses não titubearam.
O governo chinês impôs barreiras sobre a carne australiana, taxou em 80% a importação de cevada do país e desencorajou chineses a estudarem ou fazerem turismo na Austrália, devido a "numerosos casos de discriminação contra asiáticos".
Segundo dados do Banco Mundial, a Austrália é o 6º maior exportador para China, à frente do Brasil, que aparece em sétimo.
Nós conversamos também com a economista e diplomata Tatiana Rosito, ex-secretária-executiva da Câmara de Comércio Exterior, a Camex, e ex-representante da Petrobras na China.
Ela acredita que a co-dependência entre o Brasil e a China traz riscos para os 2 lados.
Tatiana diz que não interessa ao Brasil depender só da China e também não interessa (a China) aos chineses depender só do Brasil.
Ela lembra que a China é um dos países que mais investem em biotecnologia, portanto, "desentendimentos desnecessários podem fechar a porta para oportunidades de investimento", segundo ela.
Ou seja, o governo chinês tá de olho em produzir matérias-primas, tipo soja, em outros locais e de forma mais produtiva e a partir destes investimentos em biotecnologia.
No futuro, o Brasil poderia acabar perdendo o lugar de destaque que ocupa hoje.
Por isso, Cariello diz que devemos diversificar as exportações para a China.
[Tulio Cariello: "...O que o vejo ... ... ..."]
Moral da história: Embora, de fato, a China tenha atualmente poucas alternativas de onde comprar matéria-prima senão do Brasil, não podemos descartar por completo a possibilidade de que o país imponha barreiras comerciais a produtos brasileiros — mesmo que saia temporariamente prejudicada por essa decisão.
Neste sentido, é arriscado acreditar que, por causa da nossa relação de interdependência, que se fortaleceu ainda mais durante a pandemia de coronavírus, o Brasil possa "testar a paciência" de seu parceiro comercial sem qualquer risco.
E nessa queda de braço, o Brasil tenderia a "sair perdendo".
É isso.
Espero que vocês tenham gostado do vídeo.
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Até a próxima!