Coronavírus: o impacto econômico no Brasil, do celular à soja
[Feb 13, 2020]
Enquanto médicos e cientistas correm contra o tempo para entender melhor o coronavírus e buscar meios para controlar sua disseminação, economistas tentam mensurar o impacto da doença no comércio global.
Meu nome é Camila Veras Mota da BBC News Brasil em São Paulo e nesse vídeo vou falar um pouco sobre como o surto pode afetar economia brasileira, da indústria de celulares à soja.
Mas antes de chegar lá, é preciso falar da China, nosso principal parceiro comercial, e onde a maior parte dos casos e das mortes tem se concentrado.
O coronavírus provocou uma onda de revisões para baixo do pib chinês em 2020 de um crescimento esperado de mais ou menos 6% para algo entre 5,4 e 5,8% nas estimativas mais otimistas.
É difícil mensurar os desdobramentos dessa perda de fôlego sobre os demais países, já que a situação atual não tem precedentes.
Desde a epidemia de Síndrome Respiratória Aguda Grave, a Sars, em 2003, que também afetou o país asiático, a participação chinesa no pib global saltou de 4% para 16%, ou seja, qualquer problema na China tende a criar muito mais do que marolas pelo mundo.
Nesse período, o país se tornou o principal destino das exportações brasileiras, viu sua participação no valor total embarcado pelo Brasil para o mundo avançar mais de 4 vezes: de 7% em 2003 para 29% em 2019.
Isso mesmo: 29% das nossas exportações vão para a China.
Assim, desacelerações na economia chinesa geralmente afetam o Brasil, mas essa não é a única razão.
Além de importante comprador de matérias-primas brasileiras como o minério de ferro, soja e carnes, o país também tem papel relevante como fornecedor para a indústria local, especialmente a de produtos eletroeletrônicos.
As exportações chinesas de bens intermediários nesse segmento respondem por mais de 10% da produção global, de acordo com a consultoria Oxford Economics.
Na prática, isso significa que além dos bens acabados exportados pelo país, a China também vende chips, circuitos integrados e outras partes e peças que vão se tornar celulares, máquinas de lavar, televisores e outros eletrônicos em outros países.
Assim, a consultoria britânica ressalta que, em paralelo a uma queda da demanda chinesa por bens importados de outros países, uma retração acentuada na sua atividade industrial pode causar um rompimento nas cadeias de fornecimento em outras regiões — e uma dessas áreas é o Brasil.
Ao contrário da pauta de exportação brasileira para a China, concentrada em poucos produtos básicos, a de importação, que vem de lá para cá, é bastante pulverizada e com alto valor agregado.
São circuitos, aparelhos transmissores ou receptores motores, geradores e transformadores elétricos, semicondutores, máquinas e peças que abastecem a indústria nacional.
Segundo a Eletros, que representa algumas das maiores empresas do setor eletroeletrônico do Brasil, a China é um fornecedor importante de componentes para fabricantes de produtos da linha branca, da linha marrom e de eletroportáteis.
Estamos falando de fogões, geladeiras, máquinas de lavar, equipamentos de áudio e vídeo, secadores de cabelo, sanduicheiras, ventiladores...
A entidade considera preocupante a instabilidade na cadeia logística de importação de insumos produzidos na China, ou seja, a possibilidade de desabastecimento, especialmente dos componentes de maior valor agregado, que costumam chegar ao Brasil por via aérea.
Nesse caso, de acordo com a Eletros, o estoque atual é suficiente para abastecer o seu setor por entre 10 e 15 dias.
Uma sondagem realizada na primeira semana de fevereiro com 50 indústrias por outra entidade representante do segmento, a Abinee, apontou que 52% já apresentavam problemas no recebimento de materiais, componentes e insumos vindos da China.
Caso a situação persistisse, 22% das companhias corriam risco de parar a produção já nas próximas semanas.
Os estoques reduzidos são a consequência da forte integração das cadeias produtivas nesse setor.
À medida que de um lado a tecnologia foi avançando e os componentes eletrônicos foram diminuindo de tamanho, e de outro a indústria chinesa conseguiu ganhar escala, a indústria brasileira pôde importar relativamente mais barato e com entrega mais rápida, feita muitas vezes por avião .
Hoje, os pedidos de componentes são muitas vezes feitos "on demand", sob medida, a depender do que o fabricante precisa entregar para os clientes.
A região de Hubei, epicentro do surto de coronavírus, é um importante polo automotivo da China. A cidade de Wuhan, localizada na província, está em quarentena há três semanas.
Além dela, mais de 10 outras cidades estão na mesma situação, com comércio, escolas e fábricas fechadas em uma tentativa de controlar o surto.
Mesmo em regiões que não estão em quarentena, eventuais suspeitas de contaminação têm levado ao fechamento total de algumas indústrias até que se descarte um novo caso.
Eu conversei com Pietro Delai, da IDC Brasil, uma empresa de pesquisa focada no setor de tecnologia, sobre a possibilidade de que uma eventual escassez de componentes pudesse provocar um aumento de preços em celulares, computadores e outros produtos mais caros aqui.
Ele comentou que, via de regra, todo desequilíbrio entre oferta e demanda mexe em preços, ou seja, essa possibilidade elevação de preço existe.
No caso específico do Brasil, as empresas do setor já estão com as margens de rentabilidade apertados por conta da recessão e, com o aumento do dólar, já enfrentavam aumento de custos de insumos importados.
Do lado da exportação do Brasil para o mundo, o principal impacto econômico de curto prazo do coronavírus tem sido nos preços de commodities.
As cotações da soja, do petróleo e do minério de ferro vêm acumulando queda desde que os primeiros casos da doença foram confirmados, diante do temor de uma desaceleração da economia chinesa.
Ou seja, mesmo que a demanda não caia, estamos vendendo mais barato por conta da forte expectativa de que as compras sejam reduzidas pela desaceleração chinesa.
A soja representa cerca de 30% de tudo que o Brasil exporta para a China, seguida de petróleo e minério de ferro.
Mas esse pode ser um efeito temporário a depender do período de duração do surto, segundo o economista Silvio Campos Neto da Tendências Consultoria.
Os preços podem se recuperar depois, a questão é quanto vai demorar.
Em termos de volume, parte dos setores exportadores não espera variação significativa no curto prazo.
Bartolomeu Bráz, que é presidente da Aprosoja, que representa os produtores da commodity, afirma que os contratos de compra e venda de soja são fechados com meses de antecedência, e que, por isso, as vendas nos próximos meses para a China estariam asseguradas.
Os contratos que estão sendo assinados agora, como eu falei antes, estão sendo impactados pelos preços mais baixos.
Há uma pequena preocupação, segundo ele, de que o surto se estenda muito além deste primeiro trimestre, e que a economia desacelere mais, o que poderia afetar a demanda.
Já o setor de carne avalia um possível aumento dos pedidos.
De acordo com a agência Reuters, o presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal, Francisco Turra, avalia que a combinação de peste suína africana, coronavírus e gripe aviária, que tem afetado granjas em algumas regiões em quarentena, poderia impulsionar a demanda chinesa por carne brasileira.
Ou seja, pode na verdade haver um impacto positivo, com mais demanda por certos produtos brasileiros.
Eu fico por aqui.
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