O Brasil e a memória da ditadura I O ASSUNTO I g1
Em 24 de março de 1976, um golpe militar derrocou a então presidenta constitucional da Argentina,
Maria Estela Martínez de Perón.
Começava, dessa maneira, uma ditadura cívico-militar que passaria a história.
Na Argentina, o dia do golpe militar, 24 de março, é um feriado nacional.
É o Dia Nacional da Memória pela Verdade e pela Justiça,
uma data para lembrar os mais de 30 mil mortos pela ditadura e defender a democracia.
Por lá, na Argentina, muitos dos autores desses crimes bárbaros já foram punidos.
Centenas de militares foram condenados por seus crimes e estão presos.
Um deles, o ex-general Menendez, levou oito condenações à prisão perpétua.
O último ditador argentino, o ex-general Reinaldo Benito Bignone, cinco perpétuas.
Outro país que viveu uma sangrenta ditadura, o Chile, também criou várias formas de fazer justiça
e de lembrar as vítimas.
O Museu da Memória e dos Direitos Humanos, inaugurado em 2010, é uma referência na América Latina.
Lá, podem ser ouvidos muitos relatos como este.
Uma comissão da verdade apurou mais de 3 mil mortes durante o regime de Augusto Pinochet,
que durou 17 anos.
Outras 40 mil pessoas foram presas e torturadas.
Com a volta da democracia, 307 corpos foram encontrados,
mas restam 1.162, ainda sem localizar.
E o Borde quer encontrar esses corpos no prazo de um ano.
Diferentemente dos vizinhos, 59 anos depois do golpe militar,
o Brasil não puniu nenhum ex-agente da ditadura.
E a data do golpe foi celebrada nos últimos anos a pedido de Jair Bolsonaro.
E o nosso presidente já determinou ao Ministério da Defesa
que faça as comemorações devidas com relação a 31 de março de 1964,
incluindo uma ordem do dia patrocinada pelo Ministério da Defesa,
que já foi aprovada pelo nosso presidente.
Com o novo governo e após os atentados golpistas de 8 de janeiro,
a decisão do Ministério da Defesa foi dar uma ordem de que a data não fosse lembrada.
Mas a comissão da anistia, responsável por investigar crimes da ditadura,
voltou a trabalhar na semana passada e está revendo pedidos de reparação
que foram negados nos últimos anos, principalmente na gestão Bolsonaro.
Um dos primeiros casos revistos foi o de Cláudia Arruda Campos, presa em 1968.
Ela vai passar a receber um pagamento mensal do governo
e uma indenização retroativa as últimas duas décadas.
A ditadura me tirou emprego, casamento e casa.
Ou seja, tudo aquilo que formava a minha vida e que eu tinha lutado por conseguir.
Da redação do G1, eu sou Natuzaneri e o assunto hoje é
O Brasil e a memória da ditadura.
Um episódio para entender por que o país não julgou os atos do regime militar,
quais são as perspectivas de isso acontecer
e os riscos que a ausência de justiça representa para a nossa democracia.
Neste episódio, eu converso com Rogério Sotili, diretor executivo do Instituto Vladimir Herzog.
Segunda-feira, 3 de abril.
Rogério, a Comissão de Anistia retomou aquelas sessões públicas com uma nova composição agora,
com indicações pelo novo governo e algumas mudanças,
inclusive com a revisão de decisões tomadas durante o governo Bolsonaro.
Então eu quero começar te pedindo para nos explicar o que é a Comissão de Anistia
e quais são as novidades que começaram a valer na semana passada.
Bom, a Comissão de Anistia, criada em 2002, com base na linha de anistia de 79,
ela tem o papel de analisar os pedidos de reparação por danos na época da ditadura.
Então ela é uma comissão que analisa os processos para a recuperação moral,
política e financeira também das pessoas que foram torturadas e mortas.
E familiares que sofreram perdas pela violência do Estado.
Então ela é uma comissão que tem a maior importância do ponto de vista de um dos instrumentos
de uma justiça de transição, feita no Brasil de forma muito incompleta.
Ela tem um papel muito importante do ponto de vista simbólico,
mas do ponto de vista político também.
Então foi um processo que nós vivemos da maior importância
e que foi interrompido com a chegada do Bolsonaro.
Na verdade, ele começou a ser interrompido já com o impeachment da presidenta Dilma,
quando se começou a fazer uma reavaliação de todos os processos,
recomposição da própria Comissão de Anistia,
colocando pessoas de perfis extremamente inadequados.
No governo Bolsonaro, a comissão era composta, em sua maioria, por militares
e era comandada pelo general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva.
De acordo com a atual gestão, 95% dos pedidos de reparação analisados no período foram negados.
E com a chegada do Bolsonaro, você teve todo um processo de reavaliação
e completa negação de muitos processos já analisados.
E a composição da própria Comissão de Anistia
passou a ser uma composição extremamente estranha ao tema.
Onde militares estavam participando, pessoas que violaram os direitos humanos,
que cometeram crimes durante a ditadura, e estavam analisando o processo das vítimas.
A Comissão de Anistia começou o trabalho com novas regras de funcionamento.
O regimento interno agora permite que todas as pessoas que tiveram o pedido negado
e acreditam que isso foi feito ilegalmente, possam entrar com recurso para reavaliação do caso.
A revisão do caso da dona Cláudia ocorre 55 anos depois de, segundo o processo em análise,
ela ter sido perseguida e presa pela ditadura militar.
Ela ainda esperava por um pedido de desculpas do Estado brasileiro
e uma reparação financeira pelo que sofreu em 1968.
Mas hoje foi concedido.
Ela vai receber um pagamento mensal do governo e um depósito retroativo as últimas duas décadas.
Tem uma importância simbólica e uma sinalização de retomar,
nesse período tão importante, a reparação política e financeira,
e simbólica sobre essas pessoas.
Rogério, também há poucos dias, o TRF2, que é o Tribunal Regional Federal do Rio de Janeiro e do Espírito Santo,
determinou que um sargento reformado responda a uma ação penal
sob acusação de sequestro e estupro de uma presa política durante a ditadura.
Qual é a importância, tanto do ponto de vista jurídico quanto em termos simbólicos,
de uma decisão como essa, tanto tempo depois?
Bom, primeiro, a reparação e uma sinalização do que falta no Brasil, que é o fim da impunidade.
O que nós estamos vivendo no Brasil?
O Brasil é um país de caráter extremamente violento, é um país que tem uma cultura de violência.
Tem uma violência naturalizada que se expressa na casa da gente, nas ruas, nas periferias das cidades.
E essa violência é produzida por um processo histórico de nunca ter enfrentado
esses períodos tão escambrosos da ditadura militar, da escravidão, do genocídio indígena na origem do Brasil.
Então, o Brasil vive sob o manto da impunidade que possibilita a violência diária, sem acontecer absolutamente nada.
Isso o que é? A sinalização para que ninguém respeite pactos, ninguém respeite atos institucionais,
ninguém respeita as leis, ninguém respeita os pactos internacionais e acabam promovendo os 8 de janeiro, que aconteceu.
Por volta das 3 horas da tarde, apanhadores radicais do ex-presidente Jair Bolsonaro começaram a invadir a parte externa do Congresso Nacional.
Senhores, salva!
Ninguém arreda o pé de Brasília e tem inúmeras caravanas chegando no Brasil inteiro.
No Congresso, os terroristas usaram paus e pedra para quebrar vidros.
Eles também depredaram o Palácio do Planalto e o plenário do Supremo Tribunal Federal.
Não quero mais aqueles inimigos!
Quebra tudo, gente! Quebra tudo!
A condenação, o julgamento e a ação que levou esse sargento, conhecido como Camarão,
após uma denúncia importante feita por uma das pessoas que foi violentamente estuprada, violentada,
torturada, que foi a Inês Etienne, que infelizmente nos deixou há poucos anos atrás,
ele é muito importante.
Ele é importante porque, primeiro, sinaliza que, embora a lei de anistia seja uma lei que esteja
colocando dúvidas, nuvens, sobre um processo do que foi, o que significou a lei de anistia,
onde que todas as pessoas que viveram aquele período não poderiam ser julgadas,
a Justiça de São Paulo, de segunda instância, considera que, pelo Código Penal,
já é o suficiente para você levar aos bancos dos réus pessoas que cometeram crimes de lesa humanidade.
E mais do que isso, ela dá conta de dizer que a lei de anistia não pode ser usada para inocentar essas pessoas.
E isso sinaliza para o fim da impunidade.
E a sinalização para o fim da impunidade é uma sinalização da maior importância, porque ela diz o seguinte,
não cometa crime que você pode ser preso, o que não vem acontecendo há muito tempo atrás,
muito acobertados pela própria lei de anistia.
Já que você está citando a lei de anistia, em 2010 o Supremo Tribunal Federal entendeu que a lei de anistia
impedia punição contra militares e ativistas, mas há um recurso sobre essa decisão parado no próprio Supremo
há mais de uma década. E além disso, Rogério, há uma ação para que o Brasil cumpra uma sentença da Corte
Interamericana de Direitos Humanos e julgue crimes da ditadura.
Então eu queria te pedir para explicar o que é a lei de anistia, detalhar um pouco mais, você que já pincelou,
e por que é importante que o Supremo avalie essas duas ações, apesar desses julgamentos que começam a pintar
como o que você acabou de citar.
Um pouco antes da pandemia, o Ivo Herzog, que é filho do Vladimir Herzog, que é presidente do conselho
do Instituto Vladimir Herzog, e eu estivemos com a presidente do Supremo Tribunal Federal, que na época era
a Carme Lucia, a ministra Carme Lucia. E nós fomos entregar para ela a sentença da Corte Interamericana
de Direitos Humanos, a OEA, que condenou o Brasil pelo assassinato do Vlado.
Vladimir Herzog foi assassinado, sob tortura, nas dependências do DOICOD, órgão de repressão política do governo militar.
A versão oficial divulgada na época foi de suicídio.
E quando nós entregamos a presidenta do Supremo, ela fez uma manifestação bastante emocionada,
de que ela lembrava o dia que o Vlado foi assassinado, e que ela se encontrava na universidade, em Minas Gerais,
e ela estava no barzinho da universidade, e quando ela ficou sabendo, ela disse que ela despencou,
e que ela teve aí a noção do que era a ditadura militar. Ela disse que antes era uma coisa presente, mas distante,
e ela se emocionou com isso. E depois disso, ela diz, de uma forma muito constrangida,
de que, de fato, a lei da anistia veio para promover a abertura no Brasil. Ela foi um pacto para a abertura no Brasil.
Anistia ampla, geral e restrita.
Esta manifestação pela anistia ampla, geral e restrita teve um clima diferente das outras manifestações aqui na Sinelândia.
Artistas e estudantes cantaram e recitaram poesias no momento em que o Congresso Nacional em Brasília votava no projeto de anistia do governo.
Acontece que, e a lei diz, de que ela fala em crimes conexos, que todos aqueles crimes, a ditadura, conexos,
o que pode ser encarado como crimes conexos, os crimes promovidos pelos agentes de Estado contra as pessoas que estariam
acobertados pela anistia, portanto não poderiam ser julgados por isso.
Acontece que o Brasil é signatário de uma convenção internacional de direitos humanos da ONU,
em que diz que todos os crimes de ilesa humanidade, que todos os crimes de tortura e de desaparecimento forçados
não são passíveis de anistia e não prescrevem nunca, você pode sempre atrás de uma ação para sempre.
E o Acústico e Aissão Brasileira faz referência aos acordos internacionais e coloca nos seus primeiros artigos
uma referência importante sobre o manto dos direitos humanos.
A interpretação dada a ela pelo ministro Eros Graus, em 2009, que foi aprovada em 2010, está completamente desconforme,
não de acordo com o pacto internacional, de novo, que o Brasil assinou de forma voluntária, o Brasil podia ter não assinado,
mas assinou de forma voluntária essa convenção e sobre a Constituição também.
Então, essa interpretação está completamente equivocada e por isso tem uma DPF chamada DPF 320,
que é entrada pelo partido do PSOL e que o Instituto Vladimir Zoghi entrou como amicus curi, como amicus da corte,
na defesa de uma nova interpretação em que considera que esses crimes de ilesa humanidade não são passíveis de anistia.
Isso é muito importante, isso é muito importante, Natuza, porque quando a gente fala isso, é fundamental que se entenda
que ninguém está preocupado apenas com a reparação sobre um problema, um crime do passado,
a nossa preocupação é com o presente do Brasil, com o futuro do Brasil e se nós não enfrentarmos essa violência do passado,
nós estaremos sinalizando para os futuros gerações, para os militares, para a sociedade brasileira,
que a impunidade é a lei que permite você fazer o que quer, inclusive, desacatar a Constituição brasileira
e cometer os atos de terrorismo que nós sofremos no dia 8 de janeiro.
Espera um instante que eu já volto para continuar minha conversa com o Rogério.
Bom, Rogério, acho que um ponto adiante.
Pela primeira vez em quatro anos, o Ministério da Defesa não comemorou o 31 de março, data do golpe de 64.
E é bom a gente lembrar que agora o próprio Ministério da Defesa voltou a ser comandado por um civil,
o que não acontecia desde o período do Temer, salve engano, porque quem coloca um militar no Ministério da Defesa
foi Michel Temer e Bolsonaro simplesmente deu seguimento, acompanhou.
Mesmo assim, clubes da reserva insistem e vão celebrando o dia visto por alguns militares como uma revolução,
ou por muitos militares como uma revolução, é assim que eles se referem ao golpe de 64.
Ou como um movimento como alguns, inclusive, ministros já se referenciaram.
Ah, e eu faço questão de citar, que ministro é esse?
Ministro Dias Toffoli.
Por isso que hoje eu não me refiro mais nem a golpe nem a revolução de 64.
Eu me refiro a movimento de 1964.
O que era um absurdo, né? Saindo da boca de um ministro do Supremo.
Com a trajetória que teve, né?
Exatamente, mas vamos seguir aqui.
Por que ainda há quem se sinta à vontade em afrontar a democracia?
Qual é a explicação disso, à luz de tudo que a gente viu ao longo dos últimos anos e, sobretudo, no dia 8 de janeiro desse ano?
O Brasil vive ameaçado pelo fantasma do golpe militar.
Os militares se sentem muito à vontade para promover sinalizações de ameaças, seja vindo da reserva,
mas muito nos últimos anos, inclusive, da ativa dos militares.
Com uma confusão muito grande sobre o papel dos militares num regime democrático.
Isso se dá, basicamente, pela não responsabilização pelos crimes que eles cometeram durante a ditadura militar.
Nunca foi condenado, praticamente, um militar pelos crimes cometidos na ditadura militar.
E eles se sentem muito à vontade para isso.
No Chile, o presidente Gabriel Boric, ele anunciou que pretende buscar os desaparecidos da ditadura militar de Augusto Pinochet.
Estima-se que 3 mil pessoas foram mortas durante o regime.
Só que pouco mais de 300 corpos foram encontrados.
A ditadura levou 200 mil chilenos ao exílio.
E nos últimos anos, com a revisão dos crimes de Pinochet e seus oficiais e soldados,
mais de 700 ex-integrantes da ditadura chilena foram processados na Justiça.
A Justiça argentina condenou a prisão perpétua ao último ditador militar do país.
O general Reinaldo Bignoni respondeu por violação de direitos humanos na ditadura de 1976 a 1983.
Outros 3 militares receberam a mesma sentença.
E o saldo de vítimas da ditadura militar foi de 30 mil civis sequestrados, torturados e assassinados.
Os próprios líderes militares admitiram o assassinato de 8 mil civis.
E por causa desses crimes, foram condenados 520 ex-integrantes da ditadura militar.
Entre os crimes estão torturas, assassinatos e até rapto de bebês.
Agora está bem importante pensar sobre algumas questões mais de fundo que acontecem com as forças armadas.
Veja só, a geração da AMAN, das agulhas negras, que é a escola de formação militar dos anos 70,
que é da época da ditadura, chegou no generalato, no mais alto comando das forças armadas,
durante o governo Dilma.
E eles se sentiram muito desconfortáveis com a Comissão Nacional da Verdade,
por conta de toda a sinalização sobre levar à justiça todos os crimes de ditadura cometida pelos militares, inclusive.
Questionado por jornalistas, o vice-presidente Hamilton Mourão comentou a divulgação pela coluna da jornalista Miriam Leitão
no jornal O Globo, de gravações de sessões do Superior Tribunal Militar, sobre os casos de tortura ocorridos durante a ditadura.
História, isso já passou, né? A mesma coisa que a gente voltar para a ditadura do Getúlio,
vai ter algum tipo de apuração em relação a nós.
O que? Os caras já morreram todos, pô. Vai trazer os caras do túnel de volta lá?
Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra.
O que acontece? As gerações de agora, que começaram a formação em 1981, 1987,
são pessoas que estão chegando no alto generalato justamente agora.
São pessoas formadas pela democracia, foram formadas no processo democrático.
Acontece que a estrutura militar é uma estrutura tão cheia de privilégios
e tão afastada das instituições brasileiras e da realidade brasileira
que eles acabam reproduzindo toda a política e a formação conservadora
de uma visão extremamente avessa à democracia sobre o papel que eles têm no regime democrático.
E é uma instituição muito familiar, né? Porque é muito comum um general ser filho de um general
hoje na reserva e por aí vai, né? Eles ficam juntos, eles continuam, eles se perpetuam.
Exatamente. Só para você ter uma ideia sobre isso que você está falando, Natuza,
não sei se você sabe, o colégio militar, que é um colégio de boa qualidade,
que depois do colégio militar eles vão para as Agulhas Negras,
o colégio militar, 85% das vagas do colégio militar é reservado para filhos de militares.
85%. Então há um processo de formação meio que dinástica quase.
Isso demonstra um pouco a bolha com que vive a família militar,
que bolha que vivem as forças armadas. Se nós não aproveitarmos este momento
onde as forças armadas do Brasil, os militares do Brasil, de fato,
sofreram um grande desgaste pela exposição que eles tiveram nos últimos anos
por conta da corrupção, tráfico, sequestro, incompetência.
Se nós não enfrentarmos este momento, essa questão militar,
nós dificilmente vamos resolver e vamos viver ameaçados eternamente.
E algumas questões têm que ser enfrentadas.
Algumas o governo do presidente Lula começou a enfrentar,
que é nós temos que tirar, desmilitarizar o Estado brasileiro.
Está cheio de militares nas instituições civis. Não é possível.
Tem militares nos tribunais, tem militares no Congresso, tem militares no Executivo,
tem militares nas estatais ocupando altíssimos cargos, em conselho, etc.
Então você tem que desmilitarizar. Militares não podem ocupar funções civis
no Estado brasileiro. Eles têm que voltar para seu papel militar.
Essa é uma questão importante. A outra questão é enfrentar o privilégio dos militares.
Porque além deles terem um mega salário, eles têm residências com as vilas militares,
têm educação própria, tem saúde própria, previdência própria.
Então você tem que colocar os militares dentro de um contexto nacional em que vive o Brasil.
Eles não podem se tornar uma elite do Estado brasileiro como se fosse um quarto Estado,
um quarto poder realmente, que é como a gente se vê em relação a isso.
E se a gente não aproveitar esse momento, nós daqui a alguns anos estaremos vivendo
novas ameaças e possivelmente nós estaremos vivendo novos 8 de janeiro no Brasil.
Então Rogério, eu te pergunto, por que esses crimes não podem ficar numa caixinha no passado?
Por que eles não podem ser esquecidos?
Porque crimes esquecidos, povo sem memória, repete os erros.
Nós estamos vivendo, como eu falei, o Brasil é um país extremamente violento.
E ele é violento porque não fez a lição de casa que era levar para os bancos réus responsabilidade judicialmente
todos aqueles que cometeram crimes de responsabilidade.
O golpe de 64 estava batendo a porta nossa em 8 de janeiro e ainda sofremos ameaças diárias sobre isso.
Então enfrentar o passado é fundamental para o nosso presente.
É fundamental para que a gente possa enfrentar toda a situação de violência que a gente vive
e se reflete nas instituições.
Quer ver uma coisa? O sistema de perícia, que é uma das recomendações da Comissão Nacional da Verdade,
não cumprida, ele é completamente atrelado, dependente das polícias, das Secretarias de Segurança do Estado.
E o que a perícia faz? Ela não faz perícia nenhuma,
porque ela já tem um pressuposto de que preto, pobre, é bandido, é culpado.
E se ele foi morto, a perícia vai construir toda uma perícia para provar que ele foi, que ele era culpado
e não promover os direitos humanos, os direitos dessa pessoa.
Então, assim, ela repercute no alto de resistência, ela repercute no sistema de perícia, ela repercute no dia a dia.
Nós temos alguma lição importante para enfrentar esse passado e resolver o futuro, sabe?
Que é, a Comissão Nacional da Verdade, ela produziu 29 recomendações que, no nosso entendimento,
se o Brasil cumprisse essas 29 recomendações, o Brasil seria diferente.
Não teria oito de janeiro, não teria talvez nenhum governo como o Bolsonaro.
E nós não teríamos tanta violência no Brasil.
E uma das recomendações da Comissão Nacional da Verdade é que o governo criasse um órgão de seguimento
para monitorar as 29 recomendações para que ela fosse cumprida.
Evidentemente, isso nunca existiu.
E o Instituto Vladimir Herzog construiu um núcleo de monitoramento das 29 recomendações.
Nós trabalhamos um ano em cima disso e nós vamos apresentar, dia 26 de abril agora,
em Brasília, para o governo brasileiro, para o Supremo Tribunal Federal e para a Câmara dos Deputados,
o relatório que é o status das 29 recomendações.
Como ela está, o que foi cumprido, não foi cumprido, o status que ela se encontra
e o que precisa fazer para ela ser cumprida.
Rogério, superobrigada por ter topado falar com a gente.
Importante os seus esclarecimentos aqui.
Eu espero te reencontrar no assunto em outro momento.
Matuza, valeu, beijo, tchau.
A partir de terça-feira, eu dou uma parada para descansar
e quem assume aqui durante as minhas férias é a minha querida amiga Júlia do Ailip.
O assunto está em excelentes mãos.
Este episódio usou áudios da Universidade Nacional de Quilmes,
do Museu da Memória e dos Direitos Humanos do Chile, do Antagonista e do Poder 360.
Este foi o assunto podcast diário disponível no G1, no Globoplay, no YouTube
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Comigo na equipe do assunto estão Mônica Mariotti, Amanda Polato,
Tiago Aguiar, Gabriel de Campos, Luiz Felipe Silva,
Tiago Kazurowski, Etos Kleiter e Nayara Fernandes.
Eu sou Ana Tuzaneri e fico por aqui.
Até o próximo assunto.
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