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BBC Brasil 2020 (Áudio/Vídeo+CC), A disputa dos R$ 30 bi: entenda perda inédita de recursos do governo Bolsonaro

A disputa dos R$ 30 bi: entenda perda inédita de recursos do governo Bolsonaro

[Mar 5, 2020].

Olá seguidores da BBC News Brasil, eu sou Mariana Schreiber, repórter da BBC aqui em Brasília.

Esse vídeo é pra falar sobre a disputa que marcou as últimas semanas entre o governo de Jair Bolsonaro e o congresso nacional em torno do controle de cerca de R$30 bilhões do orçamento federal.

Essa disputa chegou a um desfecho essa semana com um acordo em que o congresso nacional deve manter o controle de cerca de R$20 bilhões desses R$30 bilhões, e o governo de Jair Bolsonaro deve recuperar 10 bilhões desse recursos.

Ainda assim, uma perda inédita de controle de uma fatia do orçamento da união do governo federal para o congresso nacional que nunca tinha ocorrido em governos anteriores.

Nesse vídeo eu vou abordar essa questão em cinco pontos para vocês poderem entender melhor o que está por trás dessa disputa e o que pode acontecer à frente.

Primeiro ponto, eu vou explicar como que o congresso conseguiu controlar de forma inédita esse volume de recursos;

em segundo eu vou falar o que na prática de fato significa esse controle, como que o congresso vai gerenciar esses valores;

terceiro ponto eu vou trazer aqui quais são os elementos a favor e contra essa mudança de controle de fato de parte dos recursos da união do governo para o congresso nacional;

o quarto ponto é para falar um pouquinho do contexto político por trás dessa disputa dessa tensão nos últimos dias e, para finalizar, falar um pouco à frente o que esperar dessa relação entre esses dois poderes depois desse acordo.

Então começando né, como que o congresso conseguiu assumir o controle inicialmente de 30 bilhões, valor que agora deve ser reduzido após o acordo pra cerca de 20 bilhões.

Acho que primeiro é importante dizer que esse montante que o congresso tá abocanhando agora é diferente do que os parlamentares já têm direito há muitos anos, que são as emendas parlamentares.

Essas emendas parlamentares são recursos que os senadores e deputados podem direcionar para suas bases eleitorais, geralmente eles destinam esses recursos para obras de infraestrutura, por exemplo, uma construção de uma ponte, pavimentação de rua, ou para obras de construção de um hospital.

Eles também podem, por exemplo, quando houve o incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro, alguns parlamentares do estado também destinaram recursos para recuperação do Museu.

É um volume que os parlamentares têm liberdade para definir alocação desses recursos e nesse ano somam cerca de R$15 bilhões.

Já esses 30 bilhões que o congresso tentou abocanhar ficaram conhecidos como emendas do relator e são algo absolutamente novo.

Como que isso aconteceu?

Todo ano, o governo envia para o congresso uma proposta de orçamento para o ano que vem, em que o governo diz:

"Olha, eu estimo, eu prevejo que a gente vai arrecadar x bilhões ou trilhões de reais no próximo ano e eu quero gastar dessa forma vou colocar aqui".

Algumas parte dos recursos são despesas obrigatórias que o governo tem pouco controle como pagar juros da dívida pública, pagar aposentadorias, pagar salários de servidores, e uma fatia bem menor desse orçamento, que chega mais de R$3 trilhões, que fica aí um pouco acima de R$100 bilhões são os valores que de fato o governo vai determinar a alocação e ele fala:

"vou gastar em programas sociais como bolsa família, vou investir em saneamento básico ou gastar em políticas de promoção da agricultura", por exemplo.

Então congresso recebe essa sugestão de orçamento e aí o congresso, na comissão mista de orçamento, que reúne senadores e deputados, eles vão discutir essa proposta e os parlamentares vão fazer novas sugestões.

O relator, que é sempre um parlamentar que vai centralizar essas sugestões e negociações, ele então vai redigir uma versão final da Lei de Diretrizes Orçamentárias, que será então apreciada pelo congresso e aprovada.

No caso da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020, que trouxe essa inovação de trazer uma fatia das despesas dos gastos do governo federal, que eram de controle do governo federal, para o congresso, o relator foi o deputado Domingos Neto, que é deputado pelo PSD no Ceará.

Então isso chegou a Bolsonaro, e Bolsonaro vetou os trechos da Lei de Diretrizes Orçamentárias que faziam essa inovação — o presidente pode vetar trechos de lei ou até lentes inteiras aprovados pelo congresso — no entanto, o congresso também tem depois o poder de derrubar esses vetos se houver a maioria dos deputados e a maioria dos senadores a favor da derrubada do veto.

Para que isso não acontecesse e para o governo de Jair Bolsonaro conseguir manter seu veto ele acabou tendo que negociar com o congresso.

O presidente dizer tem evitado dizer que fez um acordo, ele não gosta de passar para sua base a ideia de que ele negocia com congresso, mas ele de fato acabou tendo que ceder em troca da manutenção do veto, que aconteceu nesta quarta-feira no congresso......

Ele enviou também na terça-feira três projetos de lei para o congresso nacional que devem ser apreciados na próxima semana, em que parte desses 30 bilhões, estima-se cerca de 20 milhões voltaram, para o controle do congresso.

E entrando no segundo ponto do nosso vídeo, o que de fato significa o congresso ter controle sobre esses recursos?

Bom, antigamente o relator fazia essas mudanças na Lei de Diretrizes Orçamentárias após as negociações no congresso, o presidente recebia essa lei e ele poderia podia determinar o ritmo de liberação desses recursos e também onde exatamente ele seriam alocados.

Eu vou dar um exemplo: se o congresso aprova alguns bilhões, por exemplo, para política de moradia, para o "Minha Casa, Minha Vida", é o governo depois que vai decidir aonde que serão feitos esses projetos, em que cidades, se ele vai liberar esses recursos no início do ano ou mas por fim do ano...

e agora, nessa fatia do orçamento de 20 bilhões de reais, é o congresso que vai poder definir o ritmo de liberação e onde exatamente esses recursos vão ser gastos — isso vale para políticas de habitação, políticas de agricultura, de saúde, de educação...

é isso que é o ineditismo dessas que (ficaram conhecidas) chamadas como "emendas de relator", é isso que não existia antes nos governos anteriores.

No terceiro ponto aqui no nosso vídeo, quais são os argumentos a favor e contra?

Quem é a favor, eles argumentam que os congressistas é que estão lá na ponta com um contato mais direto com a população: toda a semana os congressistas vêm a Brasília para participar das negociações e votações no congresso, mas no fim de semana, já na quinta-feira à noite, vão para passar a sexta, sábado e domingo nas suas bases, em contato direto com seus eleitores, com a população dos seus estados, e nesse contato eles ouvem as demandas e quais são as prioridades da população.

Sobre esse argumento, o Arthur Lira, por exemplo, que é um líder muito importante do congresso, ele é deputado do PT por Alagoas, ele lidera um blocão de 13 partidos que incluem partidos como por exemplo o DEM, o PL o MDB, o PSDB, o PP, o Republicanos, o Solidariedade e mais algumas siglas, é um blocão de 13 partidos, partidos muito deles conhecidos como centrão, o Artur Lira é um deputado que integra esse bloco e ele usa esse argumento exatamente, que os parlamentares é quem têm um contato mais direto com a população e saberiam quais são as prioridades e a melhor forma de gastaresse recurso.

Ele também usou nas suas falas a favor dessa transferência de parte do controle do orçamento para o congresso um bordão que era usado pela campanha de Jair Bolsonaro em 2018 que dizia "Menos Brasília e mais Brasil" é justamente uma defesa da descentralização de recursos e de decisões, para não ficar controlado apenas no governo federal em Brasília, mas ser mais divididas entre as regiões do Brasil.

Então ele disse que essa proposta vai na linha do discurso do presidente Jair Bolsonaro na campanha.

Já os que se opõem à medida, eles dizem que seria uma espécie de golpe para não instaurar um "parlamentarismo branco", ou seja, não um parlamentarismo de fato mas algo que emulasse o parlamentarismo, em que o congresso ganharia um poder disse em qual em relação à presidência da república, enfraquecendo o poder de Jair Bolsonaro.

Muitos bolsonaristas se opuseram nas redes sociais e fizeram pesadas das críticas ao congresso falando isso.

Mas, segundo cientistas políticos, não é possível falar que de fato haja uma espécie de parlamentarismo branco no Brasil, mas de fato nós estamos vendo aí um fortalecimento do congresso sobre sobre o governo Jair Bolsonaro, muito como consequência da falta de estratégia do governo para formar uma base política no congresso, esse é um assunto que eu vou abordar a melhor no quarto ponto do vídeo.

Mas para finalizar nesse ponto aqui os argumentos a favor e contra, vou citar também aqui um alguns técnicos da Câmara que cuidam dessa questão de orçamentos, são servidores que auxiliam os congressistas a entender o que está sendo discutido nessa matéria.

Eu conversei em off com eles, e "off" no jargão jornalístico é quando uma pessoa concede a entrevista para te ajudar entender o assunto mas não quer que seu nome seja citado, e ouvi críticas a essa mudança.

Eles viram com preocupação a transferência de parte do controle dos recursos do governo federal para o parlamento porque consideram que isso pode implicar na perda de transparência.

Um deles me falou, por exemplo, quando o governo federal vai decidir como alocar os recursos, espera-se que ele teja pensando sobre uma perspectiva de política pública para pensar onde que é a melhor cidade, melhor região, para investir em determinadas políticas, seja de habitação, saneamento ou desenvolvimento econômico, e eles acreditam que os parlamentares não vão seguir essa lógica, mas vão seguir uma lógica mais eleitoreira — lembrando que esse ano é ano de eleição municipal no país — e esses técnicos da Câmara com quem eu conversei temem que o os parlamentares vão gerenciar esses recursos mais pensando em como vai conseguir votos do que propriamente pensando como seria a melhor forma de alocação desse dinheiro.

Alguns parlamentares chegaram a fazer críticas públicas, falar publicamente o contra parlamentares que estavam defendendo essa novidade, é o caso por exemplo do Léo Moraes, ele é um deputado do Podemos de Rondônia, o Podemos não é um partido que apoia o presidente Jair Bolsonaro.

Eles se colocam de forma independente, mas ele estavam contra a transferência de recursos do governo federal para o congresso, diziam que esse montante então deveria continuar sobre a controle do governo federal porque consideraram então, no caso do Leo Moraes, que é o líder do Podemos, dizem que seria anti-republicano dar um tamanho volume de recursos para ser controlado por um pequeno grupo de parlamentares no ano de eleição.

E por que que ele fala em pequeno grupo de parlamentares?

Quem detém a caneta para determinar esses gastos é o relator do orçamento, como eu citei, o Domingos Neto, que é do PSD do Ceará, mas não vai ser ele sozinho ele vai obviamente negociar essa liberação de recursos com outros parlamentares e na visão de Leo Moraes isso vai favorecer os parlamentares que têm mais poder dentro do congresso, caso do Arthur Lira, por exemplo, que lidera um blocão de 13 partidos, que foi citado nominalmente pelo Leo Moraes na sua crítica.

Outros partidos de oposição ao governo também se opuseram, não só Podemos — o PSB, por exemplo, foi um dos partidos que orientou a favor.

O Alessandro Molon, o líder do PSB, ontem no congresso ele orientou toda sua bancada favor da manutenção do veto do presidente da república e também se manifestou criticamente a esse acordo de envio de projeto de lei que vai devolver parte desses recursos para o congresso nacional.

Bom, chegando então ao nosso quarto ponto, explicando qual é a crise política que está por trás de toda essa tensão envolvendo a disputa desses recursos, é interessante lembrar que isso não vem hoje.

A dificuldade em relação do governo de Jair Bolsonaro com congresso vem desde o início.

O presidente Jair Bolsonaro não quis no seu governo adotar a estratégia tradicional que outros presidentes faziam para conseguir apoio no congresso, que era basicamente aceitar indicações de partidos políticos para ministérios em troca dos votos nas votações, ele diz que isso favorece práticas de corrupção, que seria um toma-lá-dá-cá e velha política.

O problema é que não conseguiu apresentar uma outra estratégia, desenvolver uma estratégia pra por no lugar dessa tática tradicional para conseguir montar uma base no governo, então ele acabou optando por fazer um governo de minoria, ou seja, que tem apenas uma minoria, um apoio minoritário no congresso, e ele teria então, a cada votação de interesse do governo ele tem que negociar.

E conversando com o Carlos Melo, que é professor do Insper e cientista político, ele notou que nem nessa negociação mais pontual o governo se empenha ou tem um trabalho efetivo, então falta não só uma base política como o próprio trabalho de articulação política, na visão desse cientista político.

Então toda essa relação tensa e que no ano passado foi marcado por ataque do presidente da república ao congresso, e também de seus apoiadores nas redes sociais, e acabou culminando no fim do ano passado com a aprovação dessa inovação dessas emendas relator em transferindo, e transferindo aí 30 bilhões do controle do governo federal para o congresso.

E aí desde então o governo tem negociado com o congresso como reverter isso ao menos parcialmente, como ele agora conseguiu recuperar pelo menos cerca de 10 bilhões, é o que que tá compreendido por enquanto, ainda vai ter as votações na próxima semana dos projetos de lei onde isso vai ficar definido melhor, conseguiu também controlar, recuperar o direito de poder contingenciar esses recursos, ou seja, se a arrecadação não vier tão boa quanto esperada, o presidente da república vai poder conciencia, cortar proporcionalmente.

Esse valor que vai estar sob domínio do congresso na mesma proporção que ele tiver contingenciando os recursos de domínio do governo federal.

Mas, para chegar nisso, teve muito desgaste (nas últimas semanas).

Por quê?

Dois episódios contribuíram para aumentar ainda mais a dificuldade em torno dessa negociação.

Em feveriro, o general Augusto Heleno, que é ministro do Gabinete de Segurança Institucional, foi gravado falando em um evento público, ele não sabia que estava sendo gravado mas acabou sendo captada por uma transmissão da própria página do facebook do presidente Jair Bolsonaro, ele dizendo que o congresso estava chantageando o governo e ainda usando palavras de baixo calão contra o congresso.

Isso gerou uma grande revolta dentro do congresso e acabou dificultando essas negociações que vinham desde janeiro em torno da recuperação aí de parte desses recursos, desses R$30 bilhões.

E além disso, presidente Jair Bolsonaro também compartilhou pelo seu whatsapp com seus contatos um vídeo que convoca manifestações por 15 de março.

O vídeo em si que o presidente compartilhou não traz ataques diretos ao congresso — o problema é que essas manifestações de 15 de março, outras convocatórias que não foram compartilhados pelo presidente mas que estão sendo usadas para estimular suas manifestações,

elas têm tido um caráter é considerado por analistas políticos e parlamentares, antidemocrático, porque têm defendido, por exemplo, o fechamento do congresso nacional, fechamento do supremo tribunal federal, enfim,

estão indo contra instituições democráticas que fazem contrapeso aos poderes do presidente da república, que são essenciais para o funcionamento de uma democracia, quer goste-se ou não do atual congresso, quer goste-se ou não do atual supremo,

eles têm uma função de fazer um contrabalanceamento dos poderes do presidente da república para que não haja o risco de autoritarismo pelo presidente da república.

Então por causa desse caráter autoritário que muitos analistas políticos e lideranças políticas têm visto nas convocatórias para essas manifestações do dia 15 de março, o fato do presidente ter compartilhado um vídeo que também chamava com essas manifestações, embora não fizesse referências diretas ao congresso ao judiciário, foram entendidas como inapropriadas, até algumas pessoas chegaram a defender que seria um crime de responsabilidade, motivo para impeachment.

Não parece haver nenhum contexto político que possa de fato ser levado adiante um pedido de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro por causa disso, não se vê clima político para esse momento, mas gerou pesadas críticas contra o presente e dificultou ainda mais essa negociação em torno desses valores, esses R$30 bilhões, é por isso que o acordo acabou saindo só agora.

E o presidente ainda tentou negar que tivesse feito acordo, foi ao Twitter dizendo que não tinha feito um acordo com o congresso, que na verdade hoje projeto de lei que ele encaminhou eram para regulamentar a aplicação do orçamento, para dar mais segurança jurídica, é o que tem dito a técnica econômica, mas, de fato, ele precisou ceder, fechar um entendimento com congresso para recuperar a parte aí do valor que ele tinha perdido na aprovação da lei de diretrizes orçamentárias em dezembro.

E o que esperar para frente, né?

Segundo cientistas políticos com quem eu tenho conversado, a expectativa é de que a relação entre Bolsonaro e o congresso deve continuar tensa a gente tem que esperar aí qual vai ser a dimensão dessas manifestações do dia 15/03, será que elas vão ser muito grandes e isso vai fortalecer bolsonaro para ele talvez conseguir aí bater de frente com o congresso, ou elas vão ser pequenas marcadas por grupos de menor dimensão mais radicalizados, e não darão a força para Bolsonaro as negociações do congresso e ele vai ter que ceder mais.

Isso a gente vai ter que esperar as manifestações que ocorrem no dia quinze para saber isso, mas o que a gente sabe que o clima não tá bom para o andamento das reformas né,

as reformas econômicas depois da aprovação da reforma da previdência, outras formas de interesse do governo, como a reforma tributária, reforma administrativa, reformas ganharam o nome de PEC emergencial e aí algumas regras com objetivo de melhorar as contas públicas, tudo isso tá meio empacado, não tá andando, e na visão de analistas políticos, com essa última tensões das últimas semanas,

apesar desse acordo dessa semana, o cenário não continua não muito otimista para essas reformas, é o que, por exemplo, falou também o Carlos Melo do Insper com quem eu conversei ontem.

Bom, espero que esse vídeo tenha ajudado vocês a entenderem melhor todo esse contexto em torno da disputa desses recursos.

Se você gostou do vídeo, não deixa de assinar o canal e ativar o sininho para ficar por dentro dos próximos vídeos da BBC News Brasil, e fica ligado que a gente vai estar acompanhando nos próximos dias e semanas os desdobramentos dessa tensão entre governo e congresso, e também como que vão ser essas manifestações do dia 15.

Obrigado e até a próxima!


A disputa dos R$ 30 bi: entenda perda inédita de recursos do governo Bolsonaro The R$30 billion dispute: understand the Bolsonaro government's unprecedented loss of resources

[Mar 5, 2020].

Olá seguidores da BBC News Brasil, eu sou Mariana Schreiber, repórter da BBC aqui em Brasília.

Esse vídeo é pra falar sobre a disputa que marcou as últimas semanas entre o governo de Jair Bolsonaro e o congresso nacional em torno do controle de cerca de R$30 bilhões do orçamento federal.

Essa disputa chegou a um desfecho essa semana com um acordo em que o congresso nacional deve manter o controle de cerca de R$20 bilhões desses R$30 bilhões, e o governo de Jair Bolsonaro deve recuperar 10 bilhões desse recursos.

Ainda assim, uma perda inédita de controle de uma fatia do orçamento da união do governo federal para o congresso nacional que nunca tinha ocorrido em governos anteriores.

Nesse vídeo eu vou abordar essa questão em cinco pontos para vocês poderem entender melhor o que está por trás dessa disputa e o que pode acontecer à frente.

Primeiro ponto, eu vou explicar como que o congresso conseguiu controlar de forma inédita esse volume de recursos;

em segundo eu vou falar o que na prática de fato significa esse controle, como que o congresso vai gerenciar esses valores;

terceiro ponto eu vou trazer aqui quais são os elementos a favor e contra essa mudança de controle de fato de parte dos recursos da união do governo para o congresso nacional;

o quarto ponto é para falar um pouquinho do contexto político por trás dessa disputa dessa tensão nos últimos dias e, para finalizar, falar um pouco à frente o que esperar dessa relação entre esses dois poderes depois desse acordo.

Então começando né, como que o congresso conseguiu assumir o controle inicialmente de 30 bilhões, valor que agora deve ser reduzido após o acordo pra cerca de 20 bilhões.

Acho que primeiro é importante dizer que esse montante que o congresso tá abocanhando agora é diferente do que os parlamentares já têm direito há muitos anos, que são as emendas parlamentares.

Essas emendas parlamentares são recursos que os senadores e deputados podem direcionar para suas bases eleitorais, geralmente eles destinam esses recursos para obras de infraestrutura, por exemplo, uma construção de uma ponte, pavimentação de rua, ou para obras de construção de um hospital.

Eles também podem, por exemplo, quando houve o incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro, alguns parlamentares do estado também destinaram recursos para recuperação do Museu.

É um volume que os parlamentares têm liberdade para definir alocação desses recursos e nesse ano somam cerca de R$15 bilhões.

Já esses 30 bilhões que o congresso tentou abocanhar ficaram conhecidos como emendas do relator e são algo absolutamente novo.

Como que isso aconteceu?

Todo ano, o governo envia para o congresso uma proposta de orçamento para o ano que vem, em que o governo diz:

"Olha, eu estimo, eu prevejo que a gente vai arrecadar x bilhões ou trilhões de reais no próximo ano e eu quero gastar dessa forma vou colocar aqui".

Algumas parte dos recursos são despesas obrigatórias que o governo tem pouco controle como pagar juros da dívida pública, pagar aposentadorias, pagar salários de servidores, e uma fatia bem menor desse orçamento, que chega mais de R$3 trilhões, que fica aí um pouco acima de R$100 bilhões são os valores que de fato o governo vai determinar a alocação e ele fala:

"vou gastar em programas sociais como bolsa família, vou investir em saneamento básico ou gastar em políticas de promoção da agricultura", por exemplo.

Então congresso recebe essa sugestão de orçamento e aí o congresso, na comissão mista de orçamento, que reúne senadores e deputados, eles vão discutir essa proposta e os parlamentares vão fazer novas sugestões.

O relator, que é sempre um parlamentar que vai centralizar essas sugestões e negociações, ele então vai redigir uma versão final da Lei de Diretrizes Orçamentárias, que será então apreciada pelo congresso e aprovada.

No caso da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020, que trouxe essa inovação de trazer uma fatia das despesas dos gastos do governo federal, que eram de controle do governo federal, para o congresso, o relator foi o deputado Domingos Neto, que é deputado pelo PSD no Ceará.

Então isso chegou a Bolsonaro, e Bolsonaro vetou os trechos da Lei de Diretrizes Orçamentárias que faziam essa inovação — o presidente pode vetar trechos de lei ou até lentes inteiras aprovados pelo congresso — no entanto, o congresso também tem depois o poder de derrubar esses vetos se houver a maioria dos deputados e a maioria dos senadores a favor da derrubada do veto.

Para que isso não acontecesse e para o governo de Jair Bolsonaro conseguir manter seu veto ele acabou tendo que negociar com o congresso.

O presidente dizer tem evitado dizer que fez um acordo, ele não gosta de passar para sua base a ideia de que ele negocia com congresso, mas ele de fato acabou tendo que ceder em troca da manutenção do veto, que aconteceu nesta quarta-feira no congresso......

Ele enviou também na terça-feira três projetos de lei para o congresso nacional que devem ser apreciados na próxima semana, em que parte desses 30 bilhões, estima-se cerca de 20 milhões voltaram, para o controle do congresso.

E entrando no segundo ponto do nosso vídeo, o que de fato significa o congresso ter controle sobre esses recursos?

Bom, antigamente o relator fazia essas mudanças na Lei de Diretrizes Orçamentárias após as negociações no congresso, o presidente recebia essa lei e ele poderia podia determinar o ritmo de liberação desses recursos e também onde exatamente ele seriam alocados.

Eu vou dar um exemplo: se o congresso aprova alguns bilhões, por exemplo, para política de moradia, para o "Minha Casa, Minha Vida", é o governo depois que vai decidir aonde que serão feitos esses projetos, em que cidades, se ele vai liberar esses recursos no início do ano ou mas por fim do ano...

e agora, nessa fatia do orçamento de 20 bilhões de reais, é o congresso que vai poder definir o ritmo de liberação e onde exatamente esses recursos vão ser gastos — isso vale para políticas de habitação, políticas de agricultura, de saúde, de educação...

é isso que é o ineditismo dessas que (ficaram conhecidas) chamadas como "emendas de relator", é isso que não existia antes nos governos anteriores.

No terceiro ponto aqui no nosso vídeo, quais são os argumentos a favor e contra?

Quem é a favor, eles argumentam que os congressistas é que estão lá na ponta com um contato mais direto com a população: toda a semana os congressistas vêm a Brasília para participar das negociações e votações no congresso, mas no fim de semana, já na quinta-feira à noite, vão para passar a sexta, sábado e domingo nas suas bases, em contato direto com seus eleitores, com a população dos seus estados, e nesse contato eles ouvem as demandas e quais são as prioridades da população.

Sobre esse argumento, o Arthur Lira, por exemplo, que é um líder muito importante do congresso, ele é deputado do PT por Alagoas, ele lidera um blocão de 13 partidos que incluem partidos como por exemplo o DEM, o PL o MDB, o PSDB, o PP, o Republicanos, o Solidariedade e mais algumas siglas, é um blocão de 13 partidos, partidos muito deles conhecidos como centrão, o Artur Lira é um deputado que integra esse bloco e ele usa esse argumento exatamente, que os parlamentares é quem têm um contato mais direto com a população e saberiam quais são as prioridades e a melhor forma de gastaresse recurso.

Ele também usou nas suas falas a favor dessa transferência de parte do controle do orçamento para o congresso um bordão que era usado pela campanha de Jair Bolsonaro em 2018 que dizia "Menos Brasília e mais Brasil" é justamente uma defesa da descentralização de recursos e de decisões, para não ficar controlado apenas no governo federal em Brasília, mas ser mais divididas entre as regiões do Brasil.

Então ele disse que essa proposta vai na linha do discurso do presidente Jair Bolsonaro na campanha.

Já os que se opõem à medida, eles dizem que seria uma espécie de golpe para não instaurar um "parlamentarismo branco", ou seja, não um parlamentarismo de fato mas algo que emulasse o parlamentarismo, em que o congresso ganharia um poder disse em qual em relação à presidência da república, enfraquecendo o poder de Jair Bolsonaro.

Muitos bolsonaristas se opuseram nas redes sociais e fizeram pesadas das críticas ao congresso falando isso.

Mas, segundo cientistas políticos, não é possível falar que de fato haja uma espécie de parlamentarismo branco no Brasil, mas de fato nós estamos vendo aí um fortalecimento do congresso sobre sobre o governo Jair Bolsonaro, muito como consequência da falta de estratégia do governo para formar uma base política no congresso, esse é um assunto que eu vou abordar a melhor no quarto ponto do vídeo.

Mas para finalizar nesse ponto aqui os argumentos a favor e contra, vou citar também aqui um alguns técnicos da Câmara que cuidam dessa questão de orçamentos, são servidores que auxiliam os congressistas a entender o que está sendo discutido nessa matéria.

Eu conversei em off com eles, e "off" no jargão jornalístico é quando uma pessoa concede a entrevista para te ajudar entender o assunto mas não quer que seu nome seja citado, e ouvi críticas a essa mudança.

Eles viram com preocupação a transferência de parte do controle dos recursos do governo federal para o parlamento porque consideram que isso pode implicar na perda de transparência.

Um deles me falou, por exemplo, quando o governo federal vai decidir como alocar os recursos, espera-se que ele teja pensando sobre uma perspectiva de política pública para pensar onde que é a melhor cidade, melhor região, para investir em determinadas políticas, seja de habitação, saneamento ou desenvolvimento econômico, e eles acreditam que os parlamentares não vão seguir essa lógica, mas vão seguir uma lógica mais eleitoreira — lembrando que esse ano é ano de eleição municipal no país — e esses técnicos da Câmara com quem eu conversei temem que o os parlamentares vão gerenciar esses recursos mais pensando em como vai conseguir votos do que propriamente pensando como seria a melhor forma de alocação desse dinheiro.

Alguns parlamentares chegaram a fazer críticas públicas, falar publicamente o contra parlamentares que estavam defendendo essa novidade, é o caso por exemplo do Léo Moraes, ele é um deputado do Podemos de Rondônia, o Podemos não é um partido que apoia o presidente Jair Bolsonaro.

Eles se colocam de forma independente, mas ele estavam contra a transferência de recursos do governo federal para o congresso, diziam que esse montante então deveria continuar sobre a controle do governo federal porque consideraram então, no caso do Leo Moraes, que é o líder do Podemos, dizem que seria anti-republicano dar um tamanho volume de recursos para ser controlado por um pequeno grupo de parlamentares no ano de eleição.

E por que que ele fala em pequeno grupo de parlamentares?

Quem detém a caneta para determinar esses gastos é o relator do orçamento, como eu citei, o Domingos Neto, que é do PSD do Ceará, mas não vai ser ele sozinho ele vai obviamente negociar essa liberação de recursos com outros parlamentares e na visão de Leo Moraes isso vai favorecer os parlamentares que têm mais poder dentro do congresso, caso do Arthur Lira, por exemplo, que lidera um blocão de 13 partidos, que foi citado nominalmente pelo Leo Moraes na sua crítica.

Outros partidos de oposição ao governo também se opuseram, não só Podemos — o PSB, por exemplo, foi um dos partidos que orientou a favor.

O Alessandro Molon, o líder do PSB, ontem no congresso ele orientou toda sua bancada favor da manutenção do veto do presidente da república e também se manifestou criticamente a esse acordo de envio de projeto de lei que vai devolver parte desses recursos para o congresso nacional.

Bom, chegando então ao nosso quarto ponto, explicando qual é a crise política que está por trás de toda essa tensão envolvendo a disputa desses recursos, é interessante lembrar que isso não vem hoje.

A dificuldade em relação do governo de Jair Bolsonaro com congresso vem desde o início.

O presidente Jair Bolsonaro não quis no seu governo adotar a estratégia tradicional que outros presidentes faziam para conseguir apoio no congresso, que era basicamente aceitar indicações de partidos políticos para ministérios em troca dos votos nas votações, ele diz que isso favorece práticas de corrupção, que seria um toma-lá-dá-cá e velha política.

O problema é que não conseguiu apresentar uma outra estratégia, desenvolver uma estratégia pra por no lugar dessa tática tradicional para conseguir montar uma base no governo, então ele acabou optando por fazer um governo de minoria, ou seja, que tem apenas uma minoria, um apoio minoritário no congresso, e ele teria então, a cada votação de interesse do governo ele tem que negociar.

E conversando com o Carlos Melo, que é professor do Insper e cientista político, ele notou que nem nessa negociação mais pontual o governo se empenha ou tem um trabalho efetivo, então falta não só uma base política como o próprio trabalho de articulação política, na visão desse cientista político.

Então toda essa relação tensa e que no ano passado foi marcado por ataque do presidente da república ao congresso, e também de seus apoiadores nas redes sociais, e acabou culminando no fim do ano passado com a aprovação dessa inovação dessas emendas relator em transferindo, e transferindo aí 30 bilhões do controle do governo federal para o congresso.

E aí desde então o governo tem negociado com o congresso como reverter isso ao menos parcialmente, como ele agora conseguiu recuperar pelo menos cerca de 10 bilhões, é o que que tá compreendido por enquanto, ainda vai ter as votações na próxima semana dos projetos de lei onde isso vai ficar definido melhor, conseguiu também controlar, recuperar o direito de poder contingenciar esses recursos, ou seja, se a arrecadação não vier tão boa quanto esperada, o presidente da república vai poder conciencia, cortar proporcionalmente.

Esse valor que vai estar sob domínio do congresso na mesma proporção que ele tiver contingenciando os recursos de domínio do governo federal.

Mas, para chegar nisso, teve muito desgaste (nas últimas semanas).

Por quê?

Dois episódios contribuíram para aumentar ainda mais a dificuldade em torno dessa negociação.

Em feveriro, o general Augusto Heleno, que é ministro do Gabinete de Segurança Institucional, foi gravado falando em um evento público, ele não sabia que estava sendo gravado mas acabou sendo captada por uma transmissão da própria página do facebook do presidente Jair Bolsonaro, ele dizendo que o congresso estava chantageando o governo e ainda usando palavras de baixo calão contra o congresso.

Isso gerou uma grande revolta dentro do congresso e acabou dificultando essas negociações que vinham desde janeiro em torno da recuperação aí de parte desses recursos, desses R$30 bilhões.

E além disso, presidente Jair Bolsonaro também compartilhou pelo seu whatsapp com seus contatos um vídeo que convoca manifestações por 15 de março.

O vídeo em si que o presidente compartilhou não traz ataques diretos ao congresso — o problema é que essas manifestações de 15 de março, outras convocatórias que não foram compartilhados pelo presidente mas que estão sendo usadas para estimular suas manifestações,

elas têm tido um caráter é considerado por analistas políticos e parlamentares, antidemocrático, porque têm defendido, por exemplo, o fechamento do congresso nacional, fechamento do supremo tribunal federal, enfim,

estão indo contra instituições democráticas que fazem contrapeso aos poderes do presidente da república, que são essenciais para o funcionamento de uma democracia, quer goste-se ou não do atual congresso, quer goste-se ou não do atual supremo,

eles têm uma função de fazer um contrabalanceamento dos poderes do presidente da república para que não haja o risco de autoritarismo pelo presidente da república.

Então por causa desse caráter autoritário que muitos analistas políticos e lideranças políticas têm visto nas convocatórias para essas manifestações do dia 15 de março, o fato do presidente ter compartilhado um vídeo que também chamava com essas manifestações, embora não fizesse referências diretas ao congresso ao judiciário, foram entendidas como inapropriadas, até algumas pessoas chegaram a defender que seria um crime de responsabilidade, motivo para impeachment.

Não parece haver nenhum contexto político que possa de fato ser levado adiante um pedido de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro por causa disso, não se vê clima político para esse momento, mas gerou pesadas críticas contra o presente e dificultou ainda mais essa negociação em torno desses valores, esses R$30 bilhões, é por isso que o acordo acabou saindo só agora.

E o presidente ainda tentou negar que tivesse feito acordo, foi ao Twitter dizendo que não tinha feito um acordo com o congresso, que na verdade hoje projeto de lei que ele encaminhou eram para regulamentar a aplicação do orçamento, para dar mais segurança jurídica, é o que tem dito a técnica econômica, mas, de fato, ele precisou ceder, fechar um entendimento com congresso para recuperar a parte aí do valor que ele tinha perdido na aprovação da lei de diretrizes orçamentárias em dezembro.

E o que esperar para frente, né?

Segundo cientistas políticos com quem eu tenho conversado, a expectativa é de que a relação entre Bolsonaro e o congresso deve continuar tensa a gente tem que esperar aí qual vai ser a dimensão dessas manifestações do dia 15/03, será que elas vão ser muito grandes e isso vai fortalecer bolsonaro para ele talvez conseguir aí bater de frente com o congresso, ou elas vão ser pequenas marcadas por grupos de menor dimensão mais radicalizados, e não darão a força para Bolsonaro as negociações do congresso e ele vai ter que ceder mais.

Isso a gente vai ter que esperar as manifestações que ocorrem no dia quinze para saber isso, mas o que a gente sabe que o clima não tá bom para o andamento das reformas né,

as reformas econômicas depois da aprovação da reforma da previdência, outras formas de interesse do governo, como a reforma tributária, reforma administrativa, reformas ganharam o nome de PEC emergencial e aí algumas regras com objetivo de melhorar as contas públicas, tudo isso tá meio empacado, não tá andando, e na visão de analistas políticos, com essa última tensões das últimas semanas,

apesar desse acordo dessa semana, o cenário não continua não muito otimista para essas reformas, é o que, por exemplo, falou também o Carlos Melo do Insper com quem eu conversei ontem.

Bom, espero que esse vídeo tenha ajudado vocês a entenderem melhor todo esse contexto em torno da disputa desses recursos.

Se você gostou do vídeo, não deixa de assinar o canal e ativar o sininho para ficar por dentro dos próximos vídeos da BBC News Brasil, e fica ligado que a gente vai estar acompanhando nos próximos dias e semanas os desdobramentos dessa tensão entre governo e congresso, e também como que vão ser essas manifestações do dia 15.

Obrigado e até a próxima!