Ricardo Salles: o que apuram as duas investigações contra ministro autorizadas pelo STF
A atuação de Ricardo Salles como ministro do Meio Ambiente do governo Jair Bolsonaro
tem sido destaque no noticiário nacional e internacional, em meio a recordes negativos
de desmatamento e queimadas na Amazônia.
E agora, o titular do Meio Ambiente é alvo de duas investigações autorizadas pelo Supremo
Tribunal Federal que, embora diferentes, giram em torno do mesmo problema: o comércio de
madeira ilegal.
Sou Laís Alegretti, da BBC News Brasil, e neste vídeo falo sobre o que investigam esses
inquéritos contra Salles autorizados pelo Supremo
Vou começar pelo mais recente deles.
A ministra Cármen Lúcia autorizou no dia 2 de junho a instauração de um inquérito
para investigar Salles sob a acusação de crimes como advocacia administrativa, criar
dificuldades para a fiscalização ambiental e atrapalhar investigação de infração
penal que envolva organização criminosa.
A apuração foi pedida pela Procuradoria-Geral da República e surgiu a partir de uma investigação
da Polícia Federal, a Operação Handroanthus, que levou à apreensão de 226 mil metros
cúbicos de madeira extraídos ilegalmente por organizações criminosas.
Essa madeira foi apreendida na divisa do Pará com o Amazonas no fim de 2020, e foi avaliada
em 129 milhões de reais.
A investigação contra Salles levou o presidente Jair Bolsonaro a demitir o delegado Alexandre
Saraiva do cargo de superintendente da PF no Amazonas.
Em nota enviada aos veículos de imprensa, Salles diz que “o inquérito demonstrará
que não há, nem nunca houve, crime nenhum”.
Mas você já pode estar se perguntando: o que Salles poderia ter a ver com essa apreensão
milionária?
Em 14 de abril de 2021, a Superintendência da Polícia Federal no Amazonas enviou ao
STF e à PGR uma notícia-crime com acusações contra Salles, o senador Telmário Mota (Pros-RR)
e o presidente do Ibama, Eduardo Bim.
Mota acabou liberado por falta de provas, mas não está clara ainda qual é a situação
de Bim.
Em entrevista à BBC News Brasil poucos dias depois, o delegado Alexandre Saraiva disse
ter encontrado evidências de que Salles e Mota tentaram prejudicar as investigações
relacionadas à apreensão.
Salles fez críticas à operação e visitou a área entre o Pará e o Amazonas, onde se
reuniu com madeireiros e demonstrou acreditar na legalidade da madeira apreendida e na inocência
dos acusados.
Mas as principais evidências contra Salles, segundo Saraiva, surgiram depois de analisar
documentos recebidos de madeireiros alvos da Operação Handroanthus.
A intenção deles era provar que a maior apreensão de madeira feita até hoje pela
PF na Amazônia era, na verdade, legal.
Saraiva disse para a gente em abril que:
"O que encontramos foram fraudes muito claras e muito graves".
A PF viu tentativa de interferência de Salles porque o ministro do Meio Ambiente, abre aspas,
"sem ter qualquer poder de gerência sob a Polícia Federal, 'deu um prazo de uma semana
para que os peritos apresentem os laudos em relação à documentação', desconsiderando
a complexidade da atividade, como se tivesse expertise sobre a atuação de um perito criminal
federal".
O presidente do Ibama foi acusado pela PF por medida parecida.
Segundo os investigadores, Bim solicitou o "envio das peças de informação, incluídos
os documentos técnicos/periciais, que embasaram a operação e as apreensões' da Operação
Handroanthus".
Para a Procuradoria, esse tipo de medida adotada por Salles e Bim em tese pode constituir a
prática de crimes como advocacia administrativa, que consiste em "patrocinar, direta ou indiretamente,
interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário".
Em sua explicação oficial, Salles afirma que se reuniu com madeireiros de Santa Catarina
que atuam na região amazônica a pedido de dois políticos bolsonaristas, o senador Jorginho
Mello (PL-SC) e a deputada federal Caroline de Toni (PSL-SC).
Segundo o ministro, os empresários catarinenses afirmaram que parte da produção madeireira
deles estava apreendida há mais de 100 dias sem possibilidade de defesa.
E que, na opinião deles, Saraiva estava, abre aspas, "procrastinando o andamento do
feito propositalmente, com vistas a deliberadamente prejudicar todo o setor madeireiro local".
A PGR afirma que Salles não deu explicações sobre as acusações da PF de interferência
na investigação nem sobre as defesas públicas que ele fez dos madeireiros antes da conclusão
do inquérito da PF.
Para a Procuradoria, o ministro deve explicações também sobre esses dois pontos.
A ministra Cármen Lúcia determinou que a apuração seja concluída nos próximos 30
dias.
Segundo a PGR, os próximos passos do processo envolvem os depoimentos de agentes do Ibama
e da PF, dos madeireiros e de Salles, além da análise dos documentos reunidos.
Chegamos agora à segunda investigação:
Em 19 de maio, a Polícia Federal deflagrou em três Estados a Operação Akuanduba, que
teve como alvo endereços ligados a Ricardo Salles, empresários do ramo madeireiro e
servidores públicos, entre eles o presidente do Ibama, Eduardo Bim.
A operação foi autorizada por outro ministro do STF, Alexandre de Moraes.
A PF apura suspeitas de exportação ilegal de madeira.
A investigação apura desde janeiro suspeitas de crimes como corrupção, advocacia administrativa,
prevaricação e facilitação de contrabando.
Segundo a PF, a apuração começou a partir de denúncias feitas por autoridades dos Estados
Unidos sobre suposto "desvio de conduta de servidores públicos brasileiros no processo
de exportação de madeira".
A decisão de Moraes diz o seguinte:
"Os depoimentos, os documentos e os dados coligidos sinalizam, em tese, para a existência
de grave esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais".
Salles classificou a operação de "exagerada e desnecessária".
Ao autorizar a deflagração da operação, Moraes também suspendeu um despacho do Ibama,
de fevereiro de 2020, que autorizava a exportação de produtos florestais sem emissão de uma
autorização mais rigorosa.
Segundo uma notícia-crime apresentada ainda no ano passado contra Salles, esse despacho
do Ibama teria, abre aspas, "legalizado milhares de cargas que teriam sido exportadas entre
os anos de 2019 e 2020, sem as respectivas documentações".
Esse despacho foi publicado pelo Ibama 20 dias depois de ser provocado por duas entidades
do setor madeireiro: Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do Estado do Pará
(Aimex) e pela Associação Brasileira de Empresas Concessionárias Florestais (Confloresta),
que atua no Pará e em Rondônia.
O setor madeireiro afirmava nos pedidos ao Ibama que mudanças feitas no processo de
autorização de exportação tinham criado redundâncias e feito parte das normas caducar.
O órgão ambiental concordou e revogou parte das exigências previstas na lei que visam
garantir que a madeira exportada tenha origem legal.
Para o Instituto Socioambiental, o Greenpeace e a Associação Brasileira dos Membros do
Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), que foram ao STF contra a mudança, o despacho
do Ibama acabou facilitando exportação de madeira extraída de forma ilegal porque a
mudança afetou "a única formalidade que garante controle próximo e eficaz do Ibama
da madeira exportada".
A decisão do Supremo, aliás, citou a conhecida fala de Salles na reunião ministerial de
abril de 2020, na qual ele disse o seguinte:
Então para isso precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade
no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de covid, e ir passando a boiada
Agora é hora de unir esforços para dar de baciada a simplificação regulatória
Não precisamos de Congresso. Porque coisa que precisa de Congresso também,
nesse fuzuê que está aí, nós não vamos conseguir aprovar
Agora tem um monte de coisa que é só, parecer, caneta, parecer, caneta.
Sem parecer também não tem caneta, porque dar uma canetada sem parecer é cana
Segundo o texto da decisão,
"Esse referido modus operandi (...) teria sido aplicado na questão das exportações
ilícitas de produtos florestais".
É isso, eu fico por aqui
A gente, da BBC News Brasil, vai continuar acompanhando esse assunto de perto.
Até a próxima!